A Justiça aceitou denúncia do Ministério Público contra a professora acusada de agredir um aluno com Transtorno do Espectro Autista (TEA) em uma escola privada, em Porto Alegre.
Vanessa Maciel Pereira vai responder a processo criminal por maus-tratos e por praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de deficiência, crime previsto na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.
O caso, ocorrido no Colégio Romano Senhor Bom Jesus, na Capital, foi revelado por GZH em outubro. A professora usou uma toalha de lanche para cobrir o rosto e a boca do aluno da Educação Infantil, enquanto ele tentava cuspir em direção a ela. Os detalhes do que ocorreu durante uma crise da criança de seis anos foram revelados em áudio gravado pela própria docente. Ela fez a mensagem e repassou em um grupo de WhatsApp da Educação Infantil da escola.
— Ele surtou hoje, gurias, só porque eu falei que o casaco não era dele, era de um outro colega, nós tava voltando do pátio, guardando os casacos na mochila, e ele veio com tudo para cima de mim, deu um puxão na minha roupa, cuspiu horrores, que vocês não têm noção. Aí, eu tinha pego antes a toalhinha de lanche dele e a lancheira, sabe o que que eu fiz, gurias, eu me descontrolei de um jeito assim, ó, não é nem descontrole, tá, é que eu já tô (palavrão), já, não aguento mais a cara daquele inferno daquele guri, eu peguei a toalhinha dele, cada vez que ele vinha pra cima de mim me cuspir, eu enfiava aquele pano na cara dele — diz a docente no começo do relato.
Em outro trecho, conta mais:
— Aí eu peguei e tapei ele com aquele pano, sabe, enfiava o pano assim na cara dele. Gurias, ele se jogava no chão e dizia "não me mata, profe, não me mata".
A professora foi demitida um dia depois do episódio. O caso foi investigado pela Delegacia de Combate à Intolerância, e a professora foi indiciada. A promotora Danielle Bolzan Teixeira entendeu que a professora expôs a perigo a saúde do aluno abusando dos meios de correção e disciplina, conforme está previsto no Artigo 136, do Código Penal, que trata do crime de maus-tratos. O MP também considerou que, ao enviar a mensagem no grupo de professoras, a docente "praticou, induziu, incitou" discriminação contra o aluno em função de sua deficiência.
A criança passou por perícia psicológica e fez relato compatível com os fatos, reforçando que a professora o agrediu. Na denúncia, além de pedir a condenação da professora pelos dois crimes, o MP pediu ainda fixação de indenização em favor da vítima.
Depois que o caso foi tornado público, um ato foi organizado por famílias para pedir respeito e inclusão nas escolas para crianças com diagnóstico de TEA. A manifestação ocorreu na frente da sede do Ministério Público.
Na terça-feira (22), a mãe da criança foi recebida no MP para reunião com a promotora-assessora Ivana Kist Huppes Ferrazzo, secretária executiva do Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Mediar-MP) e com a promotora Danielle, que atua no caso. O objetivo era explicar o andamento do processo e verificar necessidades da família.
O que disse Carlo Velho Masi, advogado da professora Vanessa Maciel Pereira:
A defesa de Vanessa Maciel Pereira reitera que não se pode extrair da investigação preliminar a conclusão de que tenha havido agressão contra o aluno, muito menos incitação de qualquer discriminação em razão de sua deficiência. O que se verifica é que, em meio a mais um surto do menor, ao que tudo indica derivado da falta de acompanhamento psicológico regular que vinha sendo aconselhado pelo colégio à família, a professora precisou exercer sua defesa pessoal, agindo de forma proporcional, com os meios disponíveis. Portanto, sua ação não foi meio de correção ou disciplina. Ademais, a mensagem de áudio enviada às colegas não tinha relação com a deficiência, tampouco buscava incitar a discriminação. Salienta-se que estudos científicos demonstram que, quando em crise, pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) adquirem força e capacidade de ataque além daquela que seria esperada para a faixa etária. Em avaliação psíquica por perita criminal do DML, foi constatado que o menor “não apresentou um relato livre extenso o suficiente para ser avaliado conforme os critérios de credibilidade”, quesito este simplesmente desconsiderado pela acusação. Desta forma, com respeito à posição institucional do Ministério Público, a defesa produzirá novos elementos para demonstrar a ausência de justa causa à tramitação da ação penal, inclusive constituindo profissionais da Psicologia como assistentes técnicos.