A Câmara de Vereadores de Porto Alegre escreveu um novo capítulo no debate sobre a chamada linguagem neutra em sala de aula. Na quarta-feira (4), o legislativo municipal aprovou o projeto de lei 077/21, com 20 votos favoráveis e 11 contrários. De acordo com o texto, estudantes das escolas de Porto Alegre têm garantido "o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas e orientações legais de ensino". Além disso, ele obriga a utilização da língua portuguesa nos mesmos termos em toda a comunicação externa e com a população em geral, realizada por parte da administração pública municipal direta e indireta.
A lei usa como base a Lei Federal nº 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) e pela gramática elaborada na reforma ortográfica ratificada pela comunidade dos países de língua portuguesa (CPLP).
O PL é de autoria das vereadoras Fernanda Barth (PSC), Comandante Nádia (PP) e Psicóloga Tanise Sabino (PTB) e dos vereadores Alexandre Bobadra (PL), Ramiro Rosário (PSDB), Jessé Sangalli (Cidadania) e Hamilton Sossmeier (PTB).
— É estranho dizer que aprovamos um projeto que garante o óbvio, que é que nossas crianças tenham o direito de aprender o português correto em sala de aula. Professor, dentro da sala de aula, tem que falar o português correto, é o mínimo que se espera, que se preserve e se respeita a língua portuguesa — diz Fernanda Barth (PSC).
Um dos exemplos da linguagem neutra é a troca da vogal marcada, como em "os alunos" e "as alunas", por "artimanhas linguísticas" como "xs alunxs" ou "@s alun@s". Fernanda Barth entende que isso é uma estratégica política.
— Querer transformar o dialeto de uma minoria em aula de História, em aula de Filosofia, Português, é absurdo — afirma a vereadora.
Ângelo Brandelli, docente dos programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) e coordenador do Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais, defende o uso da linguagem neutra na sala de aula. Ele entende que é uma ferramenta para auxiliar o processo de inclusão de indivíduos que abandonam a escola por razões de discriminação.
— Existe uma necessidade de reconhecimento e de inclusão das pessoas com diversidade de gênero, trans, mulheres, nas escolas, dadas as discrepâncias que detectamos na sociedade. O fato de proibir o uso da estratégia me parece problemático e contrário ao interesse da sociedade neste momento — comentou.
Outro ponto explicado pelo pesquisador é quanto a possíveis problemas que a abordagem poderia causar nos estudantes. Para isso, ele utiliza estudos próprios e conduzidos em outros países para defender a presença da linguagem neutra no ensino tradicional.
— Desconheço estudos que falem que a utilização ou apresentação da linguagem neutra cause problemas na alfabetização das crianças. Realizei estudos que mostram que o reconhecimento de gênero por parte das pessoas trans e que se identificam com outras identidades de gênero que não as binárias (masculina e feminina) resulta em uma melhora grande do ponto de vista da saúde mental e nos seus sentimentos de pertencimento à escola — pontuou.
Língua padrão oficial
O Sindicato do Ensino Privado (Sinepe-RS) diz respeitar o movimento que defende a linguagem neutra, mas entende que as escolas devem seguir a norma-padrão da língua portuguesa no processo de aprendizagem.
— Todos os livros e materiais didáticos foram construídos a partir do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp). Qualquer movimento de alteração na língua padrão oficial precisa ser discutido na sociedade e na comunidade científica — comenta Bruno Eizerik, presidente da entidade.
O projeto de lei aprovado pela Câmara será enviado à prefeitura no prazo de 10 dias úteis, contados da data da aprovação da redação final. A partir disso, o prefeito Sebastião Melo tem 15 dias úteis para analisar o PL.
A reportagem de GZH entrou em contato com a prefeitura de Porto Alegre sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.