O segundo semestre letivo de 2021 mal começou, mas as redes de ensino já trabalham com foco em 2022. Em um cenário de incerteza sobre se os estudantes já estarão vacinados contra a covid-19 e quais protocolos sanitários ainda serão necessários, as escolas públicas planejam o ano que vem tendo em mente a recuperação das perdas de aprendizagem ocorridas desde o ano passado. Já as instituições privadas buscam maneiras de atender 100% dos estudantes sem necessidade de revezamento e de tornar obrigatória a presencialidade.
Tanto a rede estadual de ensino do Rio Grande do Sul como a municipal de Porto Alegre elaboraram avaliações diagnósticas em 2021 abrangendo todos os alunos, a fim de identificar o nível de aprendizagem dos estudantes em língua portuguesa e matemática. No Estado, a prova já foi aplicada, e o desempenho foi pior quanto mais avançada era a etapa do aluno. Ainda será feita uma avaliação amostral no final de agosto para aprofundar a compreensão sobre as habilidades dos estudantes. No município, os testes serão feitos de setembro a novembro.
A secretária adjunta da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Stefanie Eskereski, relata que o ano letivo de 2022 está sendo construído ao longo de 2021. As avaliações diagnóstica e amostral servirão para entender o engajamento atual dos estudantes com a rede e quais as repercussões do distanciamento dos alunos das escolas.
— Nossa ideia é reforçar esse vínculo presencial. Estamos muito preocupados com aqueles alunos que sequer apareceram para fazer a avaliação, e trabalhamos, agora, em estratégias de acolhimento — destaca a secretária adjunta.
Aliada ao resultado das avaliações, será feita uma formação para os professores da rede, a fim de que identifiquem as perdas e tenham subsídio para criar estratégias pedagógicas. Estão sendo estudadas metodologias que deem celeridade ao processo de recuperação das aprendizagens, ao mesmo tempo em que são desenvolvidas as habilidades previstas para o ano que vem em cada etapa. A pasta também deve aumentar, ainda neste ano, a carga horária de língua portuguesa e matemática.
Nas escolas municipais de Porto Alegre, os próprios professores da rede estão elaborando as questões da avaliação diagnóstica. Foi feita uma comissão interna de docentes de língua portuguesa e matemática, que cria, revisa e reelabora as perguntas.
Participarão da prova os estudantes do segundo ao nono ano do Ensino Fundamental, que responderão às questões de forma presencial e escalonada. Em setembro, devem ser priorizados os alunos que tiveram pouco vínculo com a escola durante a pandemia. Em outubro, será a vez dos estudantes que mantiveram o vínculo, mas têm apresentado mais dificuldades. Já em novembro, as demais crianças farão o teste.
— Queremos contemplar 100% dos estudantes para ter um diagnóstico que permita que os professores reorganizem os planejamentos e individualizem esse atendimento, tão necessário para suprir lacunas que, para alguns, ficaram durante a pandemia — observa a coordenadora adjunta da Gestão de Dados e Indicadores da Secretaria Municipal de Educação (Smed), Isabel Cristina Teixeira da Silva.
Para que a avaliação seja efetiva, quanto mais alunos participarem da prova, melhor. Por isso, a Smed lançou nesta semana uma campanha que visa incentivar os pais a mandarem seus filhos para a escola. A rede municipal realiza atualmente um levantamento sobre quantos estudantes já aderiram às aulas presenciais.
A professora e pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudia Costin, que é referência na área de Políticas Educacionais, considera importante fazer essas avaliações, mas julga que, antes delas, é preciso fazer o acolhimento dos alunos e lidar com a saúde emocional deles. Isso porque o período em casa foi de sofrimento para muitas crianças e adolescentes e também fez com que elas “desaquecessem” e esquecessem de conteúdos que, ao longo do ano, voltarão a lembrar.
— A escola não é apenas um local de transmissão de conhecimento, mas também de aprendizagem no sentido de viver em uma sociedade maior do que a sua própria família. Isso se perdeu, então, é importante lidar com o acolhimento dos alunos e depois com o nivelamento de aprendizagem — pontua Claudia.
Ainda que o estudante de Ensino Médio tenha mais autonomia para aprender sozinho, teremos alunos entrando na faculdade ou no mundo do trabalho com um preparo muito insuficiente
CLAUDIA COSTIN
Professora e pesquisadora da FGV
Esse modelo, inspirado no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), focado em língua portuguesa e matemática, tem sido aplicado em diferentes lugares do Brasil. Os resultados, segundo a pesquisadora, indicam grandes perdas especialmente na etapa da alfabetização. Mesmo assim, a preocupação maior de Claudia é com os alunos do Ensino Médio, que terão menos tempo para recuperar o que ficou faltando.
— Ainda que o estudante de Ensino Médio tenha mais autonomia para aprender sozinho, teremos alunos entrando na faculdade ou no mundo do trabalho com um preparo muito insuficiente. Em 2022, teremos que prestar muita atenção nas perdas e criar um sistema sólido, até usando a inclusão digital a nosso favor, para as crianças e os jovens recuperarem essas perdas, e isso é possível — assegura a professora, que entende que, além do uso de tecnologias, é importante ampliar a carga horária dos alunos.
Prevista para 2022 no RS e já em vigor em SP, uma das ações que visam evitar que os adolescentes se formem ainda despreparados é a oferta de um quarto ano do Ensino Médio opcional aos estudantes que, hoje, estão no terceiro. O currículo ainda está sendo elaborado pela Seduc, mas deve focar em língua inglesa, língua portuguesa e matemática e ter disciplinas diferentes, como Projeto de Vida e Projeto de Vida para o Mundo do Trabalho. A medida é aprovada por Claudia.
— É uma medida que pode ajudar e, inclusive, pode vir para ficar. Em muitos países, são 13 anos de Educação Básica. No Brasil, chegamos a ter 11 anos e, desde 2006, voltamos a ter 12, e o impacto desse ano a mais foi positivo para melhorar o preparo da juventude. Hoje, nosso Ensino Médio não prepara nem para a universidade nem para o mundo de trabalho — avalia a pesquisadora.
Todos os projetos para 2022, porém, dependerão do retorno dos alunos às salas de aula. Para Claudia, a pandemia deixou claro que a presença é fundamental para que eles não se desconectem das atividades e tenham uma aprendizagem integral, que envolve não apenas o conteúdo teórico, mas também trabalhos em grupo, aulas de educação física e de artes, por exemplo.
Realidade diferente na rede privada
Se nas redes públicas do RS a discussão gira mais em torno das perdas de aprendizagem, no setor privado, o assunto é outro. Com muito mais estudantes tendo boas condições de acessar as aulas remotas e com alunos pertencentes a famílias cujos pais, muitas vezes, puderam trabalhar em casa ao longo da pandemia, as escolas particulares planejam que frequentar as aulas de forma presencial volte a ser obrigatório e que não haja mais necessidade de escalonamento nas turmas.
A professora Claudia Costin, que também é doutora em administração pública pela FGV, considera que a diferença de realidades entre as redes já era grande e, com o tempo maior de fechamento das escolas públicas durante a pandemia, se tornou maior. Mesmo assim, ressalta que as escolas particulares brasileiras não apresentam bons resultados educacionais, na comparação com outros países, e que ainda têm muitos desafios.
— O nosso grande problema é a formação dos professores, que ainda carece de diálogo entre teoria e prática. É como formar médicos só ensinando a fisiologia humana — exemplifica a docente.
No que se refere à presencialidade, a rede particular gaúcha está muito mais avançada do que a pública. O Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS) calcula que 70% dos alunos das escolas particulares tenham concluído o primeiro semestre de 2021 frequentando as instituições. A expectativa é de que o percentual aumente para 80% a 90% até o final do ano e, em 2022, a presencialidade volte a ser obrigatória.
— Entendemos que não podemos continuar no ano que vem com essa liberdade de a família trazer ou não o seu filho, até porque já sabemos que a covid-19 não ataca as crianças da mesma forma que ataca os adultos, então, o risco é bem menor — avalia o presidente do Sinepe/RS, Bruno Eizerik.
O médico infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira Júnior, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, relata que o comportamento do coronavírus varia de acordo com a faixa etária das crianças. Nos pequenos de até três anos, há potencial de mais gravidade, enquanto nos de quatro a seis anos a doença é mais leve. Já nas crianças mais velhas, a partir dos 10 anos e, principalmente, quando entram na adolescência, o comportamento epidemiológico já é mais semelhante ao que é visto em adultos.
— As condições das aulas em 2022 vão depender muito de haver liberação ou não para vacinar crianças e adolescentes. A vacina da Pfizer, por exemplo, já está licenciada para uso a partir dos 12 anos. Porém, está se avançando na faixa etária de vacinados, mas está se deixando para trás pessoas com risco mais elevado — analisa o médico, que considera que, se o Brasil tiver ao menos 70% de toda a população totalmente imunizada até o final de 2021, o próximo ano letivo poderá transcorrer de uma forma mais próxima da normalidade.
Tem que se ter grupos menores e um processo de educação voltado para a comunidade escolar, que consiga fazer com que as pessoas tratem com extrema seriedade qualquer sintoma que possa remotamente ser causado pela covid. Se tiver sintoma, não pode ir à escola
FRANCISCO IVANILDO DE OLIVEIRA JÚNIOR
Médico infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Para o infectologista está claro que as aulas presenciais precisam ser mantidas, mas é importante que as atividades sejam iniciadas com menos pessoas, criando “bolhas” que não se encontram – ou seja, que haja uma divisão das turmas para que, se for diagnosticada a covid-19 em alguém, seja mais fácil mapear com quem a pessoa teve contato e isolar aquele grupo.
— Nos Estados Unidos, se fala em “camadas de proteção” que precisam ser associadas. Quanto mais camadas, mais eficiente será o sistema de proteção. Tem que se ter grupos menores e um processo de educação voltado para a comunidade escolar, que consiga fazer com que as pessoas tratem com extrema seriedade qualquer sintoma que possa remotamente ser causado pela covid. Se tiver sintoma, não pode ir à escola — afirma Oliveira Júnior.
Dentro da escola, o médico estima que os protocolos seguirão ao longo de 2022, com uma possível flexibilização só em 2023. Em especial, destaca a importância de manter o distanciamento entre as pessoas, reduzir os espaços onde haja necessidade de retirada da máscara, o uso correto desse item, a ventilação natural cruzada dos espaços e a higienização constante de mãos, corrimãos e maçanetas. Salienta, porém, que não adianta a escola ter controle se as famílias não seguirem se cuidando.