Apesar de ter sido apresentado a prefeitos há mais de quatro meses, o projeto de lei que inclui índices de educação como critério na divisão de recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) ainda não avançou no Rio Grande do Sul. O texto ainda é discutido internamente pelo governo e não tem prazo para ser enviado à Assembleia Legislativa. Nos bastidores, a resistência de prefeitos com a possível perda de recursos é apontada como uma das principais causas para a espera.
O Piratini propõe que 20% do ICMS repassado às prefeituras seja calculado de acordo com o desempenho dos municípios na educação. Inspirada nas políticas públicas adotadas no Ceará, a proposta vem sendo discutida pelo Estado desde 2019. Com a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), no ano passado, todos os Estados terão que prever até 2022 a distribuição de pelo menos 10% da cota municipal do ICMS de acordo com os índices de educação.
Levantamento do jornal Folha de S.Paulo, publicado na segunda-feira (19), mostra que pelo menos oito Estados já se adequaram à nova legislação: Acre, Alagoas, Amapá, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Piauí e Sergipe.
O governador Eduardo Leite apresentou a proposta do governo aos prefeitos em videoconferência no dia 1º de março. Houve outras duas rodadas de negociação nos dias 9 e 15 daquele mês. Em 19 de março, a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) e conselhos de educação enviaram documento ao Piratini contestando as mudanças.
As entidades pediram mais prazo para estudar as alterações e maior participação nas decisões. Além disso, manifestaram dúvidas sobre o projeto e resistência com critérios adotados pelo governo, como a ênfase na avaliação de desempenho. Depois disso, as conversas esfriaram.
— Todos os representantes de (associações) regionais que se manifestaram foram contrários a municípios perderem recursos. E iriam perder justamente aqueles que já têm mais dificuldades — afirma Maneco Hassen, que deixou a presidência da Famurs no início de julho e participou das negociações.
Gestores municipais ouvidos por GZH confirmaram que o principal temor é a perda de receita. O prefeito de Campo Bom e presidente da Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos, Luciano Orsi, avalia que a proposta é positiva de forma geral, mas pode prejudicar os municípios pequenos e com menor estrutura educacional.
— Esse assunto não foi mais trazido (pelo governo do Estado). Eu acredito que deva ser feito algo que possa ser um "plus", mas que não retire recursos da educação dos municípios menores. A ideia, e nesse ponto ela é boa, é valorizar aqueles que estão avançando mais. Os municípios ficaram com medo de já sair perdendo recursos — explica Orsi.
Presidente do Consórcio dos Municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre (Granpal) até abril, o prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella, considera que o momento não é adequado para debater a proposta. O motivo é a pandemia e o quadro de perda de receita de algumas prefeituras.
— Depois que voltarem as aulas presenciais com estabilidade, pode-se retomar a discussão do tema — diz Battistella.
O Chefe da Casa Civil, Artur Lemos, destaca que as linhas gerais do projeto de lei foram apresentadas para a Famurs e que o texto está em avaliação pela Secretaria da Educação (Seduc).
A secretária estadual da Educação, Raquel Teixeira, reconhece que alguns pontos do projeto estão sendo revistos, a pedido dos municípios. Mas ainda não estima prazo para concluir o desenho da proposta.
— Há uma certa resistência — admite a secretária.
Expectativa do Piratini é retomar conversas em agosto
O governo do Estado afirma que está analisando as sugestões enviadas pelas prefeituras e que pretende retomar as conversas com os representantes municipais nas primeiras semanas de agosto para aprimorar a proposta. A expectativa do Piratini é que o projeto seja enviado à Assembleia "após o final destas rodadas".
— As dúvidas que eles (prefeitos) têm são pertinentes — pondera a secretária da Educação do RS. — É mais uma questão de compreensão. Ceder recursos para a educação não é perder renda, é investir no futuro do Estado.
Em nota, a Famurs disse à GZH que formou um grupo de estudo para analisar o tema e deverá emitir um posicionamento na próxima semana. Será a primeira manifestação da entidade depois da posse do novo presidente, Eduardo Bonotto, prefeito de São Borja. O governo espera que a troca no comando da federação municipalista dê novo fôlego às negociações.
A proposta apresentada pelo Estado
O texto apresentado pelo governador Eduardo Leite aos prefeitos, ainda em março, estipula que 20% do ICMS repassado aos municípios fique sujeito à melhora dos índices de educação. O cálculo para a divisão dos recursos seria feito a partir de dois indicadores: o Índice Municipal da Educação do RS (Imers) e a participação no rateio da cota-parte da Educação (PRE). A forma de cálculo dos dois indicadores, no entanto, ainda precisa ser detalhada.
A execução da proposta dependeria também da realização de uma nova prova do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers), a ser aplicada em toda a rede municipal nos 497 municípios gaúchos. Com essa prova seria possível calcular o Imers.
Quando apresentou o texto aos prefeitos, a expectativa do governo era que a nova forma distribuição de recursos entrasse em vigor ao longo de 2023, com transição escalonada até 2027. Em nota enviada à GZH, o Piratini explica que os prazos para entrar em vigor serão definidos no projeto de lei que será articulado com os municípios e discutido pela Assembleia.