O Ministério Público Federal (MPF) entrou na Justiça para exigir que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) suspenda uma portaria que alterou regras de distribuição de bolsas de pesquisa e resultou em corte de benefícios.
A Procuradoria argumenta que o ato mudou de "forma abrupta" processos de concessão em andamento e que há danos para projetos de pesquisa e também para inúmeros estudantes.
O novo modelo de concessão, criticado por pesquisadores, foi estipulado pela portaria 34, de março.
Esse ato alterou regras que a própria Capes havia publicado em fevereiro e cuja implementação, com a consequente concessão de bolsas para novos pesquisadores, estava em curso nas universidades.
Essa nova portaria veio após intervenção do ministro Abraham Weintraub (Educação) para que houvesse maior impacto negativo na área de humanas.
O jornal Folha de S.Paulo revelou nesta quinta-feira (2) que a própria Capes admitiu erro nas distribuição de bolsas com o novo regramento, o que resultou no corte de 6 mil bolsas. O órgão prometeu reativar esses benefícios na próxima semana.
De acordo com a ação do MPF, a nova portaria foi publicada de forma ilegal, inconstitucional e viola os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e do direito adquirido.
A ação argumenta que a portaria quebra o princípio de segurança jurídica, uma vez que atropelou a implementação já em curso com base nas regras de fevereiro.
A Procuradoria cita relatos recebidos de pesquisadores que ficaram sem bolsa após a nova portaria.
As universidades já haviam realizado seleção de estudantes de mestrado e doutorado com base nas regras de fevereiro e, com a portaria 34, muitos pesquisadores tiveram frustrados o início de suas pesquisas.
Para a Procuradoria, a Capes violou o princípio da boa-fé da administração porque, antes de publicar a nova portaria, havia informado às universidades que um sistema digital usado na concessão ficaria fechado por problemas técnicos.
Na sequência, publicou novas regras sem diálogo com representantes dos programas de pós-graduação.
"Ao modificar abruptamente processos em cursos de concessão de bolsas, na prática, cancelou a concessão de bolsas de mestrado e doutorado, surpreendendo os pró-reitores de Pesquisa e Pós-Graduação, bem como os futuros mestrando e doutorandos", diz a petição inicial ingressada da tutela cautelar, na noite desta quinta, em caráter antecedente a uma ação civil pública que tem sido elaborada pelo MPF.
A peça é assinada pelo procurador Enrico Rodrigues de Freitas em nome da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul e da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão. O processo está na Justiça Federal da 4ª Região.
A edição da nova portaria foi seguida de críticas de pesquisadores. Mais de 60 entidades científicas, congressistas e cientistas pediram sua revogação. A Capes já havia recebido recomendação do MPF para revogá-la, mas o órgão não atendeu.
As respostas enviadas pela Capes indicam, segundo a Procuradoria, que não houve "fundamentação adequada e pertinente" para que as regras fossem alteradas.
O documento ainda contesta a informação da própria Capes de que a nova portaria foi publicada após "orientação do Ministério da Educação (MEC), apresentada verbalmente por meio da Assessoria Especial do sr. ministro da Educação".
"A questão de correção de eventuais disparidades, por óbvio que podem e devem ser realizadas por qualquer órgão da administração, sendo que, contudo devem partir de ato formal, motivado e escrito, e não, como relatado, com base em orientações verbais", diz.
Segundo relatos obtidos pela Folha, o presidente da Capes, Benedito Aguiar Neto, acatou determinação de Weintraub após conversa ríspida com um de seus assessores, o advogado Sergio Sant'Anna.
A repercussão negativa do ato tem causado desconforto na equipe técnica da Capes. Também é ressaltado na ação judicial que a mudança tenha ocorrido durante a pandemia de coronavírus.
"Situação que agrava e demonstra a urgência em solução da questão, uma vez que as bolsas conferidas nos termos das portarias parcialmente revogadas, ora canceladas, afetam diretamente a subsistência e isolamento social desses estudantes."
O texto cita manifestações contrárias à medida de entidades como o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop), Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Em fevereiro, a Capes havia criado um novo sistema para concessão de bolsas de pesquisa.
O modelo estipulou critérios que passam pela qualidade dos programas, quantidade de titulados e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do local do curso.
Havia, no entanto, uma trava para que nenhum programa perdesse mais do que 10% das bolsas. Esse teto foi praticamente eliminado com uma nova portaria, publicada no dia 18 de março, feita a pedido de Weintraub.
Em linhas gerais, as regras fazem com que programas de pós-graduação com melhor desempenho nesses critérios ganhem bolsas em detrimento de programas com avaliação mais fraca.
Contudo, o novo modelo manteve distorções inclusive em cursos com nota máxima: o programa em Ecologia e Evolução da Universidade Federal de Goiás (UFG), por exemplo, tem nota 7 (máxima) na avaliação da Capes e, ainda assim, perdeu nove bolsas de doutorado.
Pesquisadores se queixam da falta de transparência da Capes, que não informa o quadro geral dos programas que ganharam e perderam bolsas.
A Capes defende que a nova portaria não altera a essência do modelo de concessão de bolsas. "Por orientação do MEC, e considerando a ótima receptividade do modelo", disse em nota, "identificou a conveniência de ampliar a velocidade de convergência do modelo, privilegiando com maior vigor os cursos mais bem avaliados."
O órgão argumenta que o novo modelo prevê aumento no número de bolsas financiadas pelo órgão, mas não apresenta, entretanto, o quadro geral de concessões e os efeitos das novas regras em cada programa.