A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) participou do grupo de trabalho envolvendo o estudo feito pelas secretarias estaduais da Fazenda e do Planejamento com projeções de matrículas na rede estadual até 2030. O relatório revela que o número de estudantes entre 15 e 17 anos precisa aumentar 28% ao ano até 2024 para que o Rio Grande do Sul atinja a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), definido pela lei 13.005 de 2014. A legislação prevê que 85% da população desta faixa etária esteja matriculada no Ensino Médio.
Internamente, o relatório foi apresentado oficialmente ao secretário Faisal Karam há cerca de um mês. Em entrevista, ele fez uma avaliação do atual cenário do Ensino Médio e dos desafios que a gestão pública tem pela frente:
O que mais chamou a atenção do senhor nessa projeção?
Ela nos diz de forma muito clara que há uma tendência de queda no número de nascimentos. Isso vai refletir na nossa rede. Mas o que nos preocupa, de forma muito transparente, não são os números até 2030 e, sim, a situação que os atuais alunos enfrentam. A distorção aluno idade/série. Essa é nossa grande preocupação.
Qual avaliação o senhor faz da situação atual?
Eu acredito que a gente chegou no fundo do poço, no bom sentido. Não tem mais para onde ir. Nós empobrecemos por falta de ações específicas para educação e de valorização dos profissionais. Nós começamos a achar que determinados segmentos são mais importantes do que a educação. E não são. O que vai levar a sociedade para frente é a educação. O que nos puxa para baixo é o excesso de alunos que repetem e evadem. Se corrigimos a distorção série/idade, teremos uma posição muito melhor no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A repetição faz com que aluno abandone. Chegamos no fundo do poço de uma estrutura cansada e viciada. Se ela fosse boa, estaria dando resultado. Temos que nos reinventar e buscar alternativa.
O maior número de evasão e repetição está concentrado no Ensino Médio, chegando à ordem de 46% dos alunos. Se pegarmos os alunos do EJA do Ensino Médio, a evasão chega a 70%. No fundo, o EJA acabou sendo uma forma de incentivo para o abandono do currículo regular
FAISAL KARAM
Secretário Estadual de Educação
O estudo mostra que a escola terá que aumentar muito o número de estudantes de 15 a 17 anos para cumprir a meta do PNE. O maior problema da rede hoje está no Ensino Médio?
Sim, até porque o maior número de evasão e repetição está concentrado no Ensino Médio, chegando à ordem de 46% dos alunos. Se pegarmos os alunos do EJA (Educação de Jovens e Adultos) do Ensino Médio, a evasão chega a 70%. No fundo, o EJA acabou sendo uma forma de incentivo para o abandono do currículo regular. O EJA passou ser mais interessante do que o ensino tradicional.
Qual o ponto mais sensível do Ensino Médio?
Um grande problema é a dificuldade que os alunos têm quando chegam ao primeiro ano do Ensino Médio. É aí que dá a grande evasão. Porque eles enfrentam uma nova realidade. Eles já vêm de uma forma precária, ou debilitada, do Ensino Fundamental e, quando ele enfrenta uma barreira maior no Ensino Médio, abandona porque olha no EJA um caminho mais fácil. Temos que melhorar o Ensino Fundamental, qualificar os anos iniciais, que são os de aprendizagem, e ter um sexto ano de transição de melhor qualidade, para que ele não chegue no oitavo e nono anos fragilizado para enfrentar o Ensino Médio.
O grande problema da distorção idade/série é o desestímulo do aluno. A violência contribui para ampliar isso. Muitas vezes, o universo fora da sala de aula é mais atraente ao aluno. Hoje, a sala de aula não é mais atraente. Temos um aluno mais ativo, mais provocador, que tem informação em tempo real
FAISAL KARAM
Secretário estadual de Educação
Em que momento o senhor acha que a escola perde o aluno adolescente?
O grande problema da distorção idade/série é o desestímulo do aluno. A violência contribui para ampliar isso. Muitas vezes, o universo fora da sala de aula é mais atraente ao aluno. Hoje, a sala de aula não é mais atraente. Temos um aluno mais ativo, mais provocador, que tem informação em tempo real. Ele sabe o que acontece no mundo. O que o professor está colocando em sala de aula, ele está olhando no celular. E muitas vezes contrapondo o posicionamento do professor.
E como atrair esse jovem para a rotina da escola?
Temos um programa criado em nove meses que vai dar perspectiva de vida ao jovem do Ensino Médio, que é o Jovem RS. Governo, sociedade e parceiros do setor privado estão interagindo com as universidades através dos seus parques tecnológicos para fazer com que alunos tenham contato com tecnologia e sejam alunos mais inovadores, criativos e empreendedores. O governo também fará uma aposta nas escolas agrícolas e técnicas, que formam a mão de obra imediata para o mercado de trabalho. O aluno vai trabalhar com TI e robótica. Terá internet extremamente rápida. O professor também precisa ser reciclado para essa nova realidade em sala de aula.
Em um cenário de tanta dificuldade, com salários de professores parcelados, falta de docentes e escolas com problemas de infraestrutura, qual a estratégia do governo para tornar a sala de aula atrativa ?
O primeiro passo é utilizar os recursos que nós temos. Não podemos conviver com 2.466 escolas no Estado. Isso é irracional para um número de alunos que decresce a cada ano. Há dez anos atrás, perdemos mais de 600 mil alunos (o estudo mostra que entre 2007 e 2017 o Estado perdeu 393 mil alunos).
O estudo mostra que regiões como Rio Grande teriam que aumentar, até 2024, 60% as matrículas de jovens entre 15 e 17 anos para atingir a meta do PNE. Outras como Porto Alegre, Pelotas e Região Metropolitana precisariam aumentar em mais de 50% o número de alunos. Isso não é quase impossível levando em consideração que o número de matrículas está caindo?
É muito difícil se não houver um processo de reestudo. No caso da Região Metropolitana, ela faz parte de um projeto RS Seguro que vai se trabalhar com outras secretarias em 18 cidades. São 80 escolas estaduais que passarão por um trabalho mais intenso. As que têm maior vulnerabilidade social, onde há maior distorção de Ideb, onde há evasão de alunos e onde há conflitos no entorno da escola. Queremos provocar os prefeitos para que façam parcerias com o Estado para colocar policiais inativos da Brigada Militar e da Polícia Civil dentro do pátio da escola para dar uma segurança maior. O ano que vem, entre 20 e 25 escolas, nessas 18 cidades, terão contraturno de atividades de reforço para trabalhar com alunos que têm mais dificuldade. O aluno terá almoço na escola e, à tarde, terá atividades de português, matemática e (outras) ligadas ao programa Jovem RS, que vai trabalhar com tecnologia, robótica, com computador. Ao fim, terá atividade cultural ou esportiva para não virar algo maçante e que cria um estímulo para o aluno ir embora.