A equipe do ministro da Educação, Abraham Weintraub, encaminhou nesta semana uma proposta de texto de medida provisória para fundir em uma mesma instituição a Capes e o CNPq. O MEC quer transformar as duas agências em uma fundação, que seria gerenciada pela pasta.
A fusão é criticada no meio acadêmico e científico e enfrenta oposição do Ministério da Ciência, responsável pelo CNPq.
A medida provisória é um instrumento que acelera a tramitação no Congresso. Com força de lei, é adotado pelo presidente em casos de relevância e urgência. O atraso na apreciação pode trancar a pauta de votações.
O plano de fusão do governo Jair Bolsonaro avança em meio a uma crise financeira que ameaça pagamento de bolsas e continuidade de grande projetos científicos, como o acelerador de partículas Sirius, maior empreendimento da ciência brasileira.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é ligada ao Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), à pasta de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Os dois órgãos têm atribuições de fomento à pesquisa, mas atuam com objetivos distintos.
O Ministério da Ciência confirmou o recebimento do texto e ressaltou que se trata de uma proposta do MEC que não foi discutida pela pasta, sobretudo com relação à construção de uma fundação. A pasta informou ainda que se coloca à disposição para discutir a importância do CNPq.
A fusão não é bem vista pela equipe do Ministério da Ciência, comanda por Marcos Pontes. O ministro publicou em rede social: "Sobre a ideia divulgada de junção do CNPq e CAPES: a posição do MCTIC é contrária à fusão, pois seria prejudicial ao desenvolvimento científico do País. Existe algum sombreamento de atividades e pontos de melhoria na gestão. Esses problemas já estão sendo trabalhados no CNPq."
Weintraub aposta que o novo órgão ficaria no MEC sob o argumento de que a pasta soube lidar melhor com a escassez de recursos da Capes neste ano, sobretudo na relação com a equipe econômica.
O ministério da Economia recomendou a fusão das duas agências. A proposta também incluiu a vinculação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), hoje ligada à pasta da Ciência, ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Para Roberto Muniz, presidente do sindicato nacional de gestores em ciência e tecnologia, a crise orçamentária tem provocado o surgimento de ideias que não resolvem a questão.
"O governo está com um movimento para redirecionar todo o sistema de ciência e tecnologia, reduzi-lo drasticamente, e mudar o foco só para pesquisa aplicada, que gere recursos e lucros", diz. "É um risco para a soberania nacional, porque sem produzir conhecimento básico o país fica refém dos países que produzem esse conhecimento", diz Muniz, que também é presidente da associação de servidores do CNPq.
Treze instituições acadêmicas e de pesquisa divulgaram na sexta-feira (11) carta em que se posicionam contra o plano de fusão.
"Seria uma medida equivocada sob todos aspectos já que as duas instituições, criadas e desenvolvidas ao longo de mais de seis décadas, têm missões bastante claras e complementares", diz a carta, assinada por instituições como a Academia Brasileira de Ciências, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Andifes (que reúne reitores das universidades federais).
Por causa de bloqueio de recursos, a Capes cortou até agora 7.590 bolsas de pesquisa, o equivalente a 8% do que havia no início do ano. Mesmo após descontingenciamento, o órgão ainda enfrenta um congelamento de R$ 549 milhões no orçamento do ano.
O órgão ainda perde metade do orçamento em 2020, segundo proposta encaminhada ao Congresso pelo governo: sai de R$ 4,25 bilhões, segundo o valor autorizado para 2019, para R$ 2,20 bilhões no ano que vem. O MEC afirma que já garantiu mais R$ 600 milhões para o que vem e a Capes tem tentando convencer deputados a construir uma emenda parlamentar de mais R$ 300 milhões.
Com relação ao CNPq, o orçamento de 2019 já foi aprovado com a previsão de recursos insuficientes. O orçamento garantia o pagamento das 84 mil bolsas somente até agosto.
As contas vencidas no mês passado e neste ano foram pagas com recursos garantidos de última hora. A pasta ainda precisa de R$ 250 milhões para garantir as bolsas do ano.
O ministério da Ciência solicitou aportes para a Economia mas foi ignorado até agora, como a própria pasta informa em ofício de resposta a solicitação de informações do deputado Ivan Valente (PSOL).
Para pagar bolsistas neste mês, o CNPq remanejou recursos da área de fomento à pesquisa, que financia empreendimentos como o Sirius. O equipamento tem o tamanho de um estádio de futebol e é a máquina mais cara e sofisticada da ciência brasileira.
Trata-se de um acelerador de partículas, localizado em Campinas (SP), que possibilitará a visualização em altíssima resolução de estruturas de vírus e proteínas (em busca de novas vacinas), de solo (com a ideia de aprimorar fertilizantes) e de rochas e de novos materiais (para melhorar a exploração de gás e petróleo), entre outras aplicações. Quando estiver pronto, colocará o país na vanguarda das pesquisas com esse método.
A pasta informa, no documento enviado à Câmara, que o desbloqueio de recursos é necessário para o início da operação de seus três aceleradores e para o funcionamento completo das treze linhas de luz do Sirius em 2020.
"No momento, o CNPEM tem como foco garantir o início do funcionamento do Sirius e sua abertura para a comunidade de pesquisadores ainda no ano que vem, o que é o principal objetivo do projeto, e que está sendo preservado, mesmo em um contexto de restrição orçamentária", disse em nota o CNPEM, organização social responsável pelo Sirius.
O Ministério da Ciência informou em nota que, no cenário de restrição, tem priorizado o pagamento das bolsas e a garantia de recursos para seus institutos de pesquisa e entidades vinculadas.
O Ministério da Educação informou que a decisão final de fusão das agências depende de decisão do presidente Bolsonaro. A reportagem questionou o MEC sobre o texto da medida provisória no início da noite de sexta-feira (11), mas até a publicação dessa reportagem não havia retorno sobre esse tema.