Cerca de 100 mil alunos da rede privada de ensino do Rio Grande do Sul podem ficar sem bolsas de estudo, parciais ou integrais, caso seja aprovado o fim da imunidade de contribuição previdenciária das entidades filantrópicas. A possibilidade consta da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 133/2019, a chamada PEC Paralela da reforma da Previdência.
A PEC está em tramitação no Senado e prevê um período de transição de cinco anos para que as instituições de Educação Básica e Ensino Superior que se enquadram na definição de "entidades beneficentes de assistência social" passem a pagar a chamada cota patronal da Previdência Social. A contribuição para a Previdência Social é dividida em duas partes: uma é de responsabilidade do empregador (cota patronal), e a outra, do empregado.
Entidades educacionais beneficentes são consideradas filantrópicas e deixam de repassar o valor da cota patronal, mas devem, em contrapartida, conceder bolsas de estudos. Ou seja, o aluno de uma família de baixa renda (com orçamento mensal de até 1,5 salário mínimo per capita) não paga a mensalidade em troca de a instituição que frequenta não pagar a cota patronal.
A folha de pessoal de uma instituição beneficente é 25% mais barata, informa José Roberto Covac, diretor jurídico do Semesp, entidade que representa mantenedoras de Ensino Superior de todo o país. Por conta disso, essa escola ou faculdade precisa reservar 20% de todas as vagas para bolsistas. A cada cinco estudantes pagantes, um precisa ser bolsista.
De acordo com o Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), o Estado tem, proporcionalmente, o maior número de beneficiários no Brasil: são 50 mil estudantes na Educação Básica e 50 mil no Ensino Superior (via Programa Universidade para Todos, o ProUni, entre outros) que ganham desconto na mensalidade ou isenção de taxa na rede particular. Quase metade (44,7% ou 220 unidades) das escolas e das universidades gaúchas, segundo levantamento do Sinepe/RS, é filantrópica.
A PEC Paralela se atém a pontos controversos da reforma da Previdência, como a incorporação de Estados e municípios, em uma discussão que não interfere no texto-base. Em busca de "relevantes mudanças de justiça fiscal", diz: "Somos pela revisão de renúncias previdenciárias de baixo impacto social, particularmente as feitas em benefício de grupos econômicos que podem arcar com as contribuições. O momento de reforma da Previdência é um momento de correção de distorções, sejam elas nas despesas, sejam elas nas receitas. Trata-se da revisão das renúncias para as entidades 'filantrópicas' que oferecem pouca contrapartida à sociedade, especialmente no setor de educação".
Mobilização de senadores gaúchos sobre o tema
Ao longo de cinco anos, no caso de aprovação da PEC, se estabeleceria uma tributação gradual e progressiva. "Não temos clareza sobre por que faculdades destinadas à elite da elite (...) não devem pagar o INSS de seus funcionários. A lógica aqui é simples: se eles não estão pagando, alguém está", continua a redação da PEC Paralela.
Para Bruno Eizerik, presidente do Sinepe/RS, está em jogo um direito constitucional (a Constituição estabelece que as instituições beneficentes e de assistência social são isentas de pagamento da cota patronal). As instituições filantrópicas prestam, destaca o titular do sindicato, um serviço que deveria ser oferecido pelo Estado, em uma "relação de ganha-ganha": a sociedade ganha, o Estado é desonerado. O fim da concessão das bolsas, com percentuais de desconto entre 50% e 100%, significaria um "caos na educação", com uma consequente sobrecarga na rede pública.
— Os alunos do Ensino Superior não podem pedir transferência para uma universidade pública. São 50 mil alunos que o Ensino Superior vai perder no Rio Grande do Sul. Na Educação Básica, o Estado ou os municípios teriam condições de atender mais 50 mil alunos? Claro que não — reflete Eizerik.
No momento, o Sinepe/RS está mobilizando os senadores gaúchos sobre o tema e também tenta agendar uma reunião com o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da Reforma da Previdência no Senado. Na próxima segunda-feira (16), será realizada uma reunião com os associados para discutir estratégias que possam ajudar a reverter o quadro atual.
"Estamos vendo um retrocesso"
Diretor do La Salle Pão dos Pobres, em Porto Alegre, Marcelo Figueiró conta que o processo de concessão de bolsas, por meio da apresentação de documentos, é renovado anualmente, garantindo-se, assim, que as famílias contempladas sejam aquelas que realmente precisam do desconto. Figueiró lamenta a possível interrupção do benefício:
— As famílias não merecem isso, os brasileiros não merecem isso. Essa situação é desagradável. Sempre pensamos em um futuro melhor para o país e estamos vendo um retrocesso. Provavelmente, vai haver uma involução.
Os alunos do Ensino Superior não podem pedir transferência para uma universidade pública. São 50 mil alunos que o Ensino Superior vai perder no Rio Grande do Sul. Na Educação Básica, o Estado ou os municípios teriam condições de atender mais 50 mil alunos? Claro que não.
BRUNO EIZERIK
Presidente do Sinepe/RS
Adriane Cunha, 51 anos, tem um filho e uma neta no 8º ano do Pão dos Pobres gratuitamente — a bolsa vem sendo mantida desde o 1º ano. A cozinheira não gosta de pensar no risco de ter que transferir os dois adolescentes para escolas estaduais.
— Tenho três filhas que estudaram e se formaram em escola pública, mas era em outra época, o ensino era melhor. Hoje eu não ficaria tranquila pelo ensino, que não é a mesma coisa, e pela falta de segurança — argumenta Adriane.
— A bolsa é importantíssima na vida das crianças, dá oportunidade de adquirirem conhecimento, cultura, de se tornarem cidadãos. E é inclusão social. No caso da gente, com menor poder aquisitivo, isso faz diferença. Se não fosse assim, eu não teria como pagar — completa.