O bacharelado em ontopsicologia da Antônio Meneghetti Faculdade (AMF), única graduação do gênero no mundo, deve formar sua primeira turma neste ano, depois de obter reconhecimento do Ministério da Educação (MEC) como curso "experimental".
A instituição fica no Recanto Maestro, situado no limite entre os municípios de São João do Polêsine e Restinga Seca, na região central do Estado. A AMF foi fundada pelo italiano Antonio Meneghetti (1936-2013), criador da ontopsicologia, que ele e seus seguidores consideram uma ciência. O meio científico, no entanto, considera-a uma pseudociência.
GaúchaZH perguntou ao MEC se o reconhecimento do curso significa um reconhecimento da validade dos postulados apresentados pela ontopsicologia. Em resposta por escrito, a pasta observou que o reconhecimento é concedido se a instituição de ensino cumpre o projeto que propôs. Citando as leis que regulam o tema, o ministério afirma que "a avaliação dos cursos de graduação tem por objetivo identificar as condições de ensino oferecidas aos estudantes, em especial as relativas ao perfil do corpo docente, às instalações físicas e à organização didático-pedagógica". O MEC ressalta que não lhe compete tratar do exercício profissional de quem se formar no curso.
De acordo com a AMF, a principal aplicação profissional do bacharelado é "na área da consultoria empresarial-estratégica, nas áreas de gestão e na formação de lideranças". Além de trabalhar como consultor ou executivo, o ontopsicólogo, sustenta a faculdade, poderá optar pela carreira acadêmica e atuar como professor ou pesquisador.
O reconhecimento do curso foi publicado no Diário Oficial da União em 27 de maio. A mesma portaria reconheceu 23 cursos. O bacharelado em ontopsicologia é o único de caráter "experimental". Conforme o ministério, isso aconteceu "tendo em vista o ineditismo da proposta apresentada no pedido de autorização do referido curso e a inexistência de diretriz curricular".
O MEC esclarece que os cursos são conduzidos por Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), a partir de normativa do Conselho Nacional de Educação (CNE). Cursos que não possuem DCN são cadastrados como experimentais ou inovadores. "Destaca-se ainda que não se pode engessar e impedir uma instituição que deseja ofertar um curso inovador, que não possui DCN", diz o texto enviado pelo ministério. GaúchaZH pediu acesso aos pareceres e relatórios que embasaram o reconhecimento, mas o MEC respondeu que essas informações são reservadas.
O que é ensinado
O bacharelado em ontopsicologia é oferecido desde 2015 na AMF. Com quatro anos e meio de duração, o curso tem currículo de 2.670 horas e inclui disciplinas como Fundamentos Históricos e Epistemológicos da Ontopsicologia (I, II e III), Descobertas da Ontopsicologia: Em Si Ôntico, Descobertas da Ontopsicologia: Campo Semântico, Descobertas da Ontopsicologia: Monitor de Deflexão e Ontopsicologia Aplicada (I, II e III).
Em reportagem publicada no começo de maio sobre o Recanto Maestro, GaúchaZH contou a trajetória de Antonio Meneghetti, um ex-padre que chegou a ser preso na Itália por suas atividades (depois, foi inocentado) e que acabou criando um pequeno império, baseado na ontopsicologia, no interior do Rio Grande do Sul, atraindo importantes nomes do empresariado para seus cursos. Em sua obra, ele fazia afirmações controversas, que apresentava como conhecimento científico.
Consultado por GaúchaZH, o consultou o Conselho Regional de Medicina (Cremers) criticou essas concepções e fez uma referência ao então iminente reconhecimento do bacharelado: "O Cremers reconhece como práticas de atendimento aquelas que seguem o método científico. Como a ontopsicologia não tem base em evidências, o conselho é contrário à sua prática, pois não se tem segurança no seu uso. Enquanto órgão de fiscalização e proteção da sociedade, preocupamo-nos com o reconhecimento de um curso em que um dos seus pressupostos básicos é que a origem de todas as doenças, inclusive infecciosas e neoplasias, é psicossomática, com curas baseadas apenas em tratamentos não convencionais (...) Pacientes devem ser tratados por profissionais habilitados, com os rigores da ciência e do conhecimento atual".
GaúchaZH também pediu uma avaliação do biólogo Paulo Almeida, um dos fundadores do Instituto Questão de Ciência, criado para "apontar e corrigir a falsificação e a distorção do conhecimento científico na arena pública". Almeida debruçou-se sobre os postulados da ontopsicologia e se disse assustado com o que encontrou. Viu na ontopsicologia "um misto de esoterismo e fenomenologia bem rasa".
Nas últimas semanas, GaúchaZH entrou em contato com a Faculdade Antonio Meneghetti em busca de manifestações sobre o reconhecimento do curso de ontopsicologia, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.