– Olhe-se de novo no espelho. Repare como você é diferente de todo mundo. As pessoas costumam falar que você é parecido com o papai, ou com a mamãe, ou até com a vovó. Mas ser parecido não é igual a eles. Não existe outro igual a você.
A professora Fabrícia Ongaratto lê trechos do livro Se Ligue em Você – Volume 2, de Luiz Gasparetto, para uma turma peculiarmente distribuída. Os 27 alunos estão sentados em duplas. Têm, cada uma à sua frente, um pequeno espelho.
E, mesmo dentro da sala de aula, usam, todos eles, óculos de sol – que saem e voltam de seus rostos conforme a narrativa. Fabrícia, em pé, com um colar que chega ao centro do tronco, volta e meia aperta um botão que faz o acessório piscar.
Apesar de tantas possíveis distrações, os estudantes, de uma turma de 4° ano do Ensino Fundamental no Colégio Sinodal Gustavo Adolfo, da rede particular de Lajeado, no Vale do Taquari, ouvem atentos. O livro segue, com lições sobre respeito, individualidade, diferenças.
– Quando as pessoas estão usando esses óculos, elas enxergam tudo embaralhado e torto. Elas gostam de ficar inventando, na cabeça delas, como os outros deveriam ser e depois querem que todos sejam do jeito que elas inventaram. Essas bobagens que elas inventam ficam na frente dos olhos delas, formando os “óculos do orgulho”. Com isso, elas não podem ver as coisas do jeito que a natureza criou. Elas não enxergam que você é único – prossegue Fabrícia.
O exercício é cumprido à risca e as lições, logo compreendidas. Sem os óculos de sol – os “óculos do orgulho” –, as colegas Luísa Henicka e Sofia Bündrich sorriem uma para a outra frente ao espelho, se abraçam, se divertem. Com o acessório, o semblante fecha, elas fazem cara feia, apontam uma para a outra de maneira acusatória. “Não é legal”, concluem.
Os livros, para além daqueles didáticos, estão todos os dias nas atividades da escola. Boa parte dos alunos, em especial nos primeiros anos, está constantemente com uma obra a tiracolo. Nos Anos Iniciais, inclusive, é regra: um período por semana é dedicado a uma visita à biblioteca, onde cada um escolhe algo para ler durante os 50 minutos de aula – que acabam se estendendo para leituras no recreio, no caminho para casa, nos fins de semana...
– Eu venho uma vez por semana junto com a turma. Segundas-feiras a gente vem e retira livro. Geralmente eu pego os livros mais grossos, como Os 12 Trabalhos de Hércules, mais ou menos “assim” a grossura. Eu li em dois dias o negócio – diz Pedro Schneider, nove anos, indicando que a obra a que se referia era mesmo de tamanho considerável.
A leitura, incentivada desde cedo, torna-se, mais do que uma obrigação, algo prazeroso para as crianças.
– Gosto de aventura, que tem, tipo, emoção, essas coisas. E diários que as pessoas escrevem contando histórias. Eu gosto de ler porque eu tô, tipo, neste mundo. E depois de um tempo eu viajo para outro mundo, se faço uma leitura bem boa – conta Emanuel Weimer, também de nove anos.
Essa proximidade com os livros começa desde a Educação Infantil no Colégio Gustavo Adolfo. Com jogos e brincadeiras em que se transmite, de maneira recreativa, muito conteúdo, mesmo os estudantes mais novos ficam fascinados com as histórias trazidas. E propõe-se que eles mesmos contem, a sua maneira, essas histórias.
É que a escola passou a organizar, em 2009, um festival do livro da cidade. A empresa responsável anunciou, à época, que não iria mais se responsabilizar pelo evento, mas a instituição de ensino entendeu a importância de que aquilo continuasse. Decidiu, assim, assumir a coordenação e incentivar que praticamente todas as turmas desenvolvessem projetos voltados para o festival.
– Nós fazemos um trabalho que envolve todo o colégio. Não fica específico às disciplinas de Língua Portuguesa: contempla todas as outras. E todas as turmas, à exceção do 3° ano do Ensino Médio, por causa dos processos de seleção para o Ensino Superior, têm que apresentar projetos a partir de leituras obrigatórias. Eles fazem as atividades mais variadas, desde cartazes até contação de histórias – informa Deliene Lopes Leite Kotz, coordenadora da área de Linguagens na escola.
Realizado anualmente, o festival do livro do colégio reúne a comunidade escolar e atrai os moradores de Lajeado para discutir literatura. Escritores locais, regionais e até nacionais costumam marcar presença, aproximando o público dos autores de diversas obras. E, assim, todo o município vai perpetuando a iniciativa da escola de formar leitores – e até novos escritores.
Antes de passar a organizar o festival, a escola tinha 7 mil livros. Hoje, conta com 20 mil obras em seu acervo. Para direção e professores, todos só têm a ganhar com as ações de incentivo à leitura.
– Quando eles apresentam uma obra, dependendo da proposta pedagógica, podem contar o livro de uma outra forma. Podem dar um outro início, um outro final. Criar outros personagens para contar essa história. Então, além de trabalhar toda a questão da leitura, veem também a questão da imaginação, da releitura, da escrita, da criação. Envolve bastante coisa – explica a professora Fabrícia.
Entrelinhas e significados
A ludicidade que marca os primeiros anos escolares vai sendo deixada de lado conforme a formação avança, mas a prática da leitura – e o prazer da maioria dos alunos em ler – continua. No 3° ano do Ensino Médio, as lições já não envolvem, claro, livros infantis e “óculos do orgulho”. Mas, curiosamente, a professora de literatura Janine Müller convida os alunos a desenharem.
Eles haviam terminado de ler Vidas Secas, de Graciliano Ramos, uma das obras obrigatórias para a turma neste ano. A classe, assim como fizeram os alunos do 4° ano do Ensino Fundamental, também se divide em duplas. E cada uma é convidada a representar, em um desenho, um capítulo a sua escolha. Fabiano, Sinhá Vitória, O Menino Mais Novo, O Menino Mais Velho, Baleia: todos os 13 capítulos do livro são convertidos em traços e, logo depois, contados pelos próprios alunos, com contribuições do restante da turma.
– Sempre que a gente lê um livro, aprende muito, mas geralmente fica com aquilo só para nós. Então, em um seminário, eles podem exteriorizar isso. É um momento em que eles compreendem muitas coisas, as entrelinhas do livro. Isso melhora a interpretação. E é uma motivação para as próximas leituras – descreve Janine.
A professora ensina que a leitura não é só o que está posto, apenas as palavras, mas o que está por trás, os significados que essas palavras carregam. Essa questão fica muito clara enquanto os alunos estudam temas como o Modernismo, que expõem as questões sociais do Brasil – muitas delas, os estudantes percebem, perduram ainda hoje. E, no debate com os colegas, interpretações assim ficam ainda significativas.
– Eu acho que o aprendizado fica muito mais rico. Então, é bem interessante quando a gente termina de ler o livro. São realidade diferentes, percepções diferentes. Na nossa turma, antes mesmo de ser atividade de aula, a gente já fala sobre a obra, compartilha opiniões e tudo. E, como a gente nunca sabe de que maneira isso vai ser trabalhado em aula, nos preparamos para qualquer coisa – conta Laura Rossi De Castro, 18 anos.
Mas os alunos não “só” leem, preparam apresentações e participam de seminários: eles também desenvolvem o gosto pela escrita. Maiara Rovea, 17 anos, afirma:
– Eu hoje sou apaixonada por poesia. Sempre gostei muito, desde pequena, e tive muita ajuda do colégio para incentivar isso. Se eu for pegar um livro para ler, é poesia, é algo mais voltado para o sentimentalismo, o subjetivismo. Isso surgiu quando eu comecei a escrever, e eu percebi que a escrita me ajudava a compor melhor o que estava acontecendo na minha vida.
O projeto
O que é?
Práticas de incentivo à leitura e Festival do Livro em Lajeado, no Vale do Taquari.
Quem faz?
Professores da Educação Infantil ao Ensino Médio no Colégio Sinodal Gustavo Adolfo.
Desde quando?
As ações tiveram início em 2003 e ganharam corpo a partir de 2009, quando a instituição assumiu um festival do livro na cidade.
Responsável
Diretor Edson Wiethölter.
Apoio
Coordenadoria Regional de Educação do Vale do Taquari, Secretaria de Educação de Lajeado e empresas locais.
Objetivos
Estimular e incentivar o hábito da leitura para formar pessoas críticas e atuantes. Estimular a escrita literária. Proporcionar o contato dos educandos com autores regionais e nacionais. Aproximar a escola do universo literário e oferecer um trabalho acadêmico além dos murros da escola para a comunidade, favorecendo e estimulando o desenvolvimento da sociedade.
Conquistas
- Aquisição de 13 mil obras literárias para a biblioteca do colégio.
- Total de 67 obras literárias lançadas pelo corpo discente.
- Prêmio Ouro no 13º Prêmio de Responsabilidade Social do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS) na categoria Desenvolvimento Cultural (2018).
Para saber mais
www.gustavoadolfo.com.br