Nesta quinta-feira (22), a comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto de lei conhecido como Escola sem Partido (PL 7180/14) realizou mais uma sessão para discutir a proposta. Por um pedido de vista coletivo por duas sessões do Plenário da Câmara, a reunião foi adiada novamente. No entanto, desta vez, o substitutivo apresentado pelo relator, deputado Flavinho (PSC-SP), foi lido na comissão especial.
Assim, o texto deverá estar apto para votação em breve. Ao fim da sessão, o presidente da comissão, deputado Marcos Rogério (DEM-RO), avaliou que a votação pode ocorrer na próxima semana. Ao total foram seis tentativas de leitura do substitutivo desde 30 de outubro.
A oposição obstruiu a reunião, por meio da apresentação de questões de ordem - ou seja, de questionamentos sobre a condução dos trabalhos.
Manifestantes novamente lotaram o plenário da comissão, com cartazes favoráveis e contrários ao texto. Em vários momentos, o clima ficou tenso entre os deputados e os manifestantes. Deputados da oposição chegaram a acusar o presidente da comissão de cassar a palavra deles e de privilegiar a votação de requerimentos dos apoiadores da proposta. Rogério negou e afirmou que os parlamentares da oposição queriam protelar os trabalhos.
Durante a reunião, a deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP) acusou os apoiadores da proposta de elegerem os professores como inimigos do Brasil e afirmou que esses parlamentares são os mesmos que votaram favoravelmente à emenda do Teto de Gastos (PEC 95), que, segundo ela, prejudica a educação no país.
O relator, deputado Flavinho, disse que há diferença entre professores e doutrinadores e que o projeto busca coibir a atuação desses. Para ele, os alunos e pais que se sentem lesados pelos doutrinadores devem poder produzir provas contra eles, por exemplo, filmando-os em sala de aula.
A reunião começou com confusão, deputados de partidos contrários ao projeto questionaram a abertura do painel para registro de deputados presentes antes das 9h, horário marcado para o início da sessão. Também alegaram que alguns dos deputados furaram a fila para a apresentação de requerimentos.
Ainda houve também o pedido de parlamentares contra o projeto para que a reunião fosse suspensa, alegando que alguns deputados apenas registraram presença na comissão, mas em seguida foram embora.
— O painel só poderia ser aberto às 9h, e não às 8h30min — disse a deputada Erika Kokay (PT-DF).
Logo após, a deputada foi criticada pelo deputado do DEM-RJ Sóstenes Cavalcante, integrante da bancada evangélica e favorável ao projeto.
— Para a esquerda, chegar cedo no trabalho é ilegal, chegar cedo no trabalho é raridade —afirmou.
Apesar de afirmar que não havia irregularidade em abrir o painel antes do horário marcado para o início da reunião, Marcos Rogério resolveu acatar a questão de ordem apresentada pela oposição e determinou que a presença dos dois parlamentares que haviam ido embora da reunião fosse desconsiderada.
Em dado momento da reunião, o deputado eleito em outubro Alexandre Frota (PSL-SP) se sentou ao lado dos parlamentares da comissão, usando um bóton que só deve ser usado por deputados já empossados. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) chegou a dizer ainda que ele descumpria a regra da Câmara que exige o uso de gravatas pelos deputados durante sessões e reuniões.
Decisão do STF
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que a oposição pretende continuar obstruindo os trabalhos na comissão especial até 28 de novembro, quando o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgará uma lei estadual de Alagoas semelhante ao projeto do Escola sem Partido. Apesar de valer apenas para Alagoas, deputados da oposição afirmam que a decisão do plenário do Supremo – que tende a derrubar a lei – já indicará o entendimento da corte sobre o tema.
— Essa comissão não é maior do que a Constituição, não é maior do que a liberdade de ensinar e aprender — disse Valente.
— O Brasil não vai aceitar que cada sala de aula vire uma Gestapo (polícia na Alemanha nazista). Vocês não querem escola sem partido, vocês querem escola de um partido único fascistóide — completou.
Já o deputado Pastor Feliciano (Pode-SP) afirmou que há perseguição e doutrinação nas salas de aula.
— Em vez das universidades brasileiras gerarem intelectuais, as universidades brasileiras geram minis Che Guevaras. Os meninos entram nas universidades e viram revolucionários de iPhones nas mãos — disse.
Para ele, o debate sobre o Escola sem Partido já funcionou, porque o alerta para os alunos, pais e professores sobre a suposta doutrinação já foi feito.
O projeto, que é uma das principais bandeiras para a educação do presidente eleito Jair Bolsonaro, só pode ser votado depois de ser lido. Caso o substitutivo seja aprovado na comissão e não haja pedidos para que seja analisado em plenário, o projeto seguirá diretamente para o Senado.
Em seu substitutivo final, Flavinho incluiu um artigo determinando que o Poder Público não se intrometerá no processo de amadurecimento sexual dos alunos nem permitirá qualquer forma de dogmatismo ou tentativa de conversão na abordagem das questões de gênero.
O relator manteve no texto uma série de proibições para professores da educação básica (pública ou privada), como promover opiniões, concepções, preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias. Além disso, a proposta bane de todas as escolas quaisquer atividades “que tendam a aplicar” a chamada “ideologia de gênero” e os termos “gênero” ou “orientação sexual”.
O parecer expande o alcance da futura lei. Agora as regras deverão ser aplicadas também às políticas e aos planos educacionais, aos conteúdos curriculares e aos projetos pedagógicos das escolas. Além disso, deverá valer para todos os livros e os materiais didáticos e paradidáticos.
Uma versão anterior da proposta já dizia que a lei seria aplicada ainda às avaliações para o ingresso no ensino superior; às provas de concurso para o ingresso na carreira de professor; e às instituições de ensino superior, respeitada a autonomia didático-científica das universidades.
Escola sem Partido
O projeto estabelece que as escolas tenham cartazes com deveres do professor, entre os quais está a proibição de usar sua posição para cooptar alunos para qualquer corrente política, ideológica ou partidária. Além disso, o professor não poderá incitar os alunos a participar de manifestações e deverá indicar as principais teorias sobre questões políticas, socioculturais e econômicas.
A proposta inclui ainda entre os princípios do ensino o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa. Projetos de lei com conteúdos semelhantes ao do Escola sem Partido tramitam tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado.
Os defensores dizem que professores e autores de materiais didáticos vêm se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas.
Já os críticos dizem que as leis atuais já impedem qualquer tipo de abuso por parte dos professores e que um projeto como o Escola sem Partido vai gerar insegurança nas salas de aulas e perseguição aos docentes.