Comissão especial criada na Câmara dos Deputados para analisar o projeto Escola sem Partido reúne-se nesta terça-feira (13) para tentar votar a proposta que prevê impedir professores de manifestar opiniões sobre questões ideológicas, religiosas e abordar temas ligados a gênero e sexualidade nas salas de aula.
GaúchaZH ouviu duas opiniões sobre o tema. Confira abaixo entrevista com Ricardo Gonçalves Severo, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), coautor do documentário Escola sem Censura.
Por que você é contra o Escola sem Partido?
A primeira questão que me motiva a ser contra é que o nome da proposta já leva ao erro. Quem propõe o projeto são pessoas que defendem uma visão conservadora da educação. Dizem que querem acabar com a doutrinação, mas é justamente a sua doutrinação que eles querem impor às escolas, especialmente na questão de direitos humanos e de gênero. Utilizam a expressão gênero como se fosse ensinar a fazer sexo, e direitos humanos como se fosse uma defesa de bandidos. Pegaram pouquíssimos casos de professores que se excederam em aula e generalizaram como sendo algo comum nas escolas, o que não é. Eles também distorcem o que é ideologia, atribuindo ao que a esquerda faz em sala de aula. Já o que eles defendem não seria ideologia, mas sim a realidade. Então, querem acabar com visões que sejam diferentes, que contemplem a diversidade.
A Constituição fala em liberdade de ensinar e de aprender. O Escola sem Partido fere os princípios constitucionais?
Fere diretamente a Constituição, fazendo com que exista um processo de denuncismo contra a atividade docente, uma relação que deveria ser baseada na confiança. O criador do Escola sem Partido, por exemplo, compara os professores a estupradores, uma situação absurda. Isso faz com que os professores sejam vistos como inimigos número 1. Mais ainda: diversas pesquisas realçam que a importância da socialização é primeiro da família, depois de amigos dos pais e colegas e por último da escola. É falso dizer que os professores têm toda essa influência que é colocada sobre eles em relação aos alunos. Pesquisas mostram que esse argumento é totalmente ultrapassado.
Existem professores que doutrinam alunos?
Existem exceções, casos que foram filmados pelos defensores do Escola sem Partido. E esses casos filmados são sempre na perspectiva da esquerda. Mas existe, por exemplo, uma deputada que foi eleita em Santa Catarina que fez um canal de denúncias para os alunos, depois o MP de lá proibiu isso, mas ela ia para a sala de aula com camiseta do Bolsonaro. Só que o que aparece como doutrinação de modo geral é associado à esquerda.
A família deve decidir o que os filhos devem aprender?
Essa é uma das pautas principais do Escola sem Partido. Imagina a situação de famílias, as mais diversas possíveis, impondo o que deve ser ensinado na escola? Uma família criacionista pede que não seja ensinado biologia porque não acredita na evolução. Na mesma vertente, uma família não quer que na geografia se aborde o processo da Terra de 2 milhões de anos porque defende que a Terra surgiu há 12 mil anos. Isso leva à total impossibilidade do processo educativo. A escola tem um processo de socialização que requer a participação dos pais em caráter de parceria, não de hierarquia. Muitos pais que querem isso não conhecem a rotina das escolas, não participam das reuniões, não acompanham o cotidiano dos seus filhos.
Por que a escola deve abordar temas como gênero e sexualidade?
Depois que são apresentados em palestras temas como abuso, as crianças e os jovens compreendem que estão passando por processos de pedofilia, por exemplo. Em outras situações, é nas escolas onde os jovens aprendem sobre as doenças sexualmente transmissíveis, sobre uso de camisinha e métodos contraceptivos. Isso não é incentivar, é instruir e apresentar medidas de prevenção. Isso existe em todos os países desenvolvidos. Ensinar sexualidade não é ensinar sexo, mas prevenção. Em relação a gênero, não é estimular que menino vai se tornar menina ou o contrário. É abordar essas questões, evitar esses discursos de que menino não pode chorar, por exemplo, para estimular e compreender o diferente.