Agressões, desvalorização profissional, carga horária excessiva e salários baixos. É nesse contexto que o Brasil caiu para a última posição no ranking Índice Global de Status de Professores de 2018. A pesquisa foi divulgada na quarta-feira (7) pela Varkey Foundation, entidade dedicada à melhoria da educação mundial, e apontou para um cenário preocupante do país em relação aos educadores. Ouvimos professores e especialista em Educação para refletir sobre o levantamento, realizado em 35 países e que avalia como a população de 35 países enxerga a profissão.
Professora no Programa de Pós-graduação em Educação da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Betina Steren diz que os resultados da pesquisa refletem a falta de políticas de valorização da carreira.
— Se o próprio governo não respeita, como vamos esperar que a população respeite? — indaga. — O país não tem uma política de governo que possa ajudar na educação, mudam os governos, mudam-se as políticas, não temos continuidade. Além disso, podemos ver a situação do nosso Estado, onde os professores foram os mais prejudicados, chegaram ao absurdo de ter o salário parcelado — completa.
De acordo com a educadora, a constante desvalorização dos profissionais da educação está refletindo no número de alunos matriculados nos cursos de docência.
— Atualmente temos menos alunos, por vários motivos, mas, principalmente, pela desvalorização profissional — explica.
Lanterna no ranking, o Brasil teve apenas 9% dos entrevistados a dizer que acreditam que os alunos respeitam seus professores — na China, o líder, 81% veem esse respeito. O dado aparece em consonância com o fato de que só 20% dos pais brasileiros afirmam que encorajariam seus filhos a seguir a carreira — ante 55% dos pais chineses.
Luciana Dornelles, 33 anos, é professora de educação física na Escola Estadual de Ensino Fundamental Ildefonso Gomes, em Porto Alegre, e vive de perto o cenário instável da profissão quanto a políticas de governo e ao desrespeito de estudantes e familiares.
— Existe uma onda de violência muito grande, somos ofendidos por pais, alunos, e muitas vezes não recebemos ajuda. Nos encontramos abandonados dentro das escolas públicas. Vivemos esse momento horrível de anos de parcelamento salarial, que hoje em dia resulta em alguns casos de depressão e até mesmo suicídios — conta.
A educadora explica ainda que, apesar de não saber por mais quanto tempo irá aguentar a desvalorização profissional, tem esperança de um futuro melhor.
— Amo muito minha profissão, sou apaixonada pela interação professor e aluno, mas não me vejo por muito tempo na rede estadual. O que estão fazendo conosco é desumano. Mas acredito que faz parte de ser professor: ter esperança. Então, luto para plantar sementes e formar bons cidadãos que, futuramente, poderão mudar esse cenário — declara.
Ênio Kaufmann, 70 anos, diretor pedagógico do Unificado há 41, e professor de física há 45, também convive de perto com a desvalorização dos profissionais da educação.
— Há décadas existe desvalorização do professor e preconceito com o profissional. Quando ingressei na docência, por exemplo, havia um pensamento bobo de que dar aula era coisa para mulher ou para alguém que não precisava se sustentar com o próprio trabalho. Escolhi ser professor de física porque acreditava que poderia fazer a diferença, e ainda acredito — conta.
Luciana e Ênio não são os únicos que enfrentam a desvalorização por acreditar que podem fazer a diferença. Shirley Cardoso, 42 anos, trabalha há 16 com educação. Já atuou na gestão, na docência dos anos iniciais e na graduação. Atualmente, é vice-diretora do Colégio Marista Champagnat. De acordo com a educadora, apesar das dificuldades enfrentadas, a profissão proporciona constante aprendizado.
Apesar de não se surpreender com os dados divulgados pelo ranking, Shirley não perde as esperanças de ver a profissão sendo valorizada.
— Apesar de tudo, temos hoje muitos professores comprometidos com o seu ofício. Profissionais qualificados e que buscam sempre uma educação de qualidade. O que precisamos é investir em qualificação docente, ambientes e relações saudáveis nas escolas, salários melhores e, acima de tudo, espaço qualitativo de produção docente, seja para pensar novas metodologias, conteúdos atuais, ou até mesmo projetos — relata.
Shirley cita outro problema que afeta a carreira: os professores têm de assumir sozinhos a tarefa de educar:
— Falta espaço para discussão de temas relevantes para a educação, há um excesso de responsabilização do professor sobre o papel de educar, que entendemos que precisa ser compartilhado com a família e a própria sociedade, que também é educadora.
Conforme Kaufmann, para que a situação da profissão mude positivamente e as pessoas voltem a enxergá-la com prestígio, é necessário que haja uma maior valorização dos profissionais que atuam na Educação Infantil e no Ensino Fundamental.
— É nessa fase que se faz o trabalho pesado, é nessa etapa que se realiza a função mais importante. Precisamos de governos que invistam fortemente na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, que são a base da educação — diz.
De acordo com o educador, uma base educacional forte possibilita o senso crítico dos educandos, contribuindo assim, para a melhoria da sociedade como um todo e principalmente para o reconhecimento da importância dos profissionais.