A ocupação da Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por integrantes de movimentos negros, iniciada na noite de quarta-feira (7), seguia até a noite desta quinta-feira (8). A ação ocorre por divergências na forma como a instituição deve analisar tentativas de fraudes das cotas étnico-raciais.
Pela manhã desta quinta, houve reunião entre a direção da universidade, membros da Comissão de Ações Afirmativas, da Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial (responsável por analisar, em primeira instância, aprovados no vestibular por cotas) e da Comissão Recursal (que analisa os aprovados por cotas étnico-raciais em segunda instância, caso tenham a autodeclaração negada). O reitor Rui Vicente Oppermann era aguardado, mas não apareceu – sua presença era uma das demandas dos movimentos negros.
Questionada sobre o que foi decidido na reunião, a assessoria de imprensa da instituição afirmou que o encontro “entre as comissões permanente e recursal foi previsto para alinhar e atualizar os processos de avaliação a partir do que foi acordado na reunião de ontem”. Ainda segundo a assessoria, o reitor iria participar, mas “em decorrência da impossibilidade de ingressar na Reitoria, foi atender a sua agenda em outro local”.
Segundo Carla Souza, integrante do Coletivo Balanta, a direção da UFRGS reafirmou as mudanças apresentadas na quarta-feira. Para os movimentos negros, as alterações não são suficientes.
Hoje, há duas grandes exigências para desocupar o prédio da Reitoria. A primeira é a exclusão de fatores culturais e da ascendência étnico-racial em até segundo grau (pais e avós) como fatores a serem levados em conta pela Comissão Recursal. O segundo ponto é que os membros dessa comissão sejam chamados em edital público e selecionados por notório saber de questões raciais, assim como ocorre na permanente.
— Se tem documento escrito da universidade que diz que os recursos podem ser apresentados a partir de questões culturais e de ascendência, a pessoa vai ganhar a causa certamente, nem vai precisar sair da instância administrativa. A pessoa branca (que entrou por cotas raciais) praticante de capoeira poderá trazer atestado citando a questão cultural. O que não é vinculado ao fenótipo não pode ser levado em conta. E a Comissão Recursal não pode ser composta por chamamento unilateral da Reitoria, e sim por edital público, com pessoas que entendam as questões étnico-raciais — afirma Carla.
Divergências sobre reunião de quarta-feira
Em contraponto à noite de quarta-feira, agitada, o clima era tranquilo à tarde desta quinta-feira (8): a maior movimentação era de formandos em Educação Física, que circulavam próximo ao Salão de Atos para sessões de fotografia. Os vidros do saguão foram tapados com papel pardo e plástico preto, para evitar olhares de curiosos. Do outro lado do prédio da Reitoria, um gazebo abrigava mantimentos arrecadados por doação – como macarrão, pães, frutas e café –, um fogão e um botijão de gás.
A reunião de quarta-feira envolveu integrantes dos movimentos negros, Reitoria da UFRGS e membros das comissões recursal e permanente. O encontro era uma oportunidade de diálogo para os estudantes apresentarem seus descontentamentos em relação à forma como a universidade formulou, por portarias publicadas em janeiro, a metodologia de análise para recursos por quem tem a autodeclaração étnico-racial negada.
Segundo a UFRGS, a reunião acabou com quatro mudanças, acordadas entre todas as partes: as características físicas são “o elemento predominante nas avaliações”; aumento no número de avaliadores nas comissões, com a inclusão de alunos; definição de que o reitor receberá um único parecer com recomendação da Comissão Recursal para definir o futuro do aprovado por cotas; formação de um grupo plural para aprimorar o processo de verificação.
Para os movimentos negros, não houve acordo com a instituição, evidenciada pela não assinatura de qualquer documento como ratificação. A UFRGS, no entanto, alega que “os representantes dos movimentos se comprometeram a levar para seu coletivo o que foi acordado por todos na reunião. Havendo a concordância, haveria a reunião de ontem para encaminhar como as comissões deveriam operar em consonância com o que foi acordado”. A falta de acordou culminou, por fim, na ocupação do prédio da Reitoria.