No dia seguinte à ocupação do prédio da Reitoria por estudantes ligados ao movimento negro que protestam contra mudanças no sistema de cotas, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) disse que o diálogo sobre o assunto "está encerrado". Em nota, a instituição disse ter sido "tomada de surpresa" com a invasão do prédio e que manterá as mudanças na metodologia para verificar a autodeclaração dos cotistas raciais que teriam sido acordadas em reunião na quarta-feira (7), na Faculdade de Engenharia.
A ocupação continuou nesta manhã. De acordo com a estudante Júlia Lourenço, do coletivo Raça, a mobilização seguirá até que as exigências dos integrantes dos coletivos em relação à política de cotas sejam atendidas. Os alunos querem que a avaliação para ingresso por cotas seja fenotípica, desconsiderando a ascendência dos candidatos (se tem pais e avós negros) e que a comissão de aferição de fenótipo participe também do julgamento dos recursos.
— Vamos continuar aqui. Era para ter tido uma reunião com o reitor hoje, às 9h, mas ele não compareceu. Estamos esperando ele se pronunciar — disse a estudante de Farmácia da UFCSPA, antes de tomar conhecimento da nota oficial da universidade.
Os funcionários estão sem acesso ao prédio, que teve portas e janelas cobertas com papel pardo — apesar do bloqueio, no fim da manhã o clima era de tranquilidade. O grupo não informou quantas pessoas participam da ocupação.
Ao longo do dia, os alunos realizarão atividades abertas ao público. A primeira delas será a exibição do filme Pantera Negra, às 15h, seguida de um debate. Às 18h, um evento em alusão ao Dia Internacional da Mulher trará palestrantes par falar sobre feminismo negro.
Na reunião, a portas fechadas na tarde de quarta-feira, a direção da universidade e o movimento negro pareciam ter entrado em um acordo sobre as mudanças. Horas depois, ativistas insatisfeitos bloquearam a entrada da Reitoria. A UFRGS considera que atendeu a parte das exigências, mas o Coletivo Balanta diz que não houve consenso.
— Com exceção da questão fenotípica, nada do que a universidade colocou em nota foi levantado pelo movimento. E o que a portaria diz sobre a documentação não é facultativo, é uma orientação. Nós entendemos que a nota da universidade está em desacordo com o que foi conversado. Gostaríamos que a reitoria apresentasse o documento que legitima essa negociação, porque nós entregamos um documento para eles, mas não assinamos nada — diz a estudante Carla Zanella de Souza, do coletivo Balanta.
Conforme a estudante de Direito, os alunos levaram à reitoria um documento que propõe a revogação das portarias 799, 800 e 937, e estabelece critérios de avaliação voltados ao fenótipo e ao reconhecimento social (como o candidato é visto socialmente).
— Em 10 anos de cotas, nunca alguém perdeu a vaga ou foi punido por fraude, mesmo a universidade reconhecendo que há casos assim. Nós entendemos que a 937 têm muitas brechas que permitem que brancos ocupem o espaço que deveria ser de negros, pardos e indígenas. Ela abre precedentes que legalizam a fraude e fragilizam o processo — avalia Carla, que destaca que os estudantes estão "abertos ao diálogo".
Na nota, a Reitoria disse que vai manter as avaliações dos estudantes aprovados pelas cotas, "respeitando e aperfeiçoando os itens que foram acordados durante a reunião entre a Administração Central e representantes dos movimentos negros". Ainda de acordo com a universidade, as comissões permanente e recursal de verificação dos cotistas estão reunidas para encaminhar os pontos acordados e dar prosseguimento às aferições.
Dentre as alterações com as quais a Reitoria diz ter concordado estavam duas exigidas pelo movimento negro: a ascendência de pais e avós não seria mais fundamental para o resultado das aferições e estudantes negros deveriam, também, estar entre os avaliadores. Segundo a UFRGS, foi definido que o elemento predominante na avaliação é o fenótipo do candidato, ou seja, a cor da pele.
"O que a portaria 937 (que atualiza a portaria 800) faculta é que candidatos não homologados apresentem documentação comprobatória e adicional que julgarem relevante", diz a nota da universidade.
O que diz a nota da UFRGS:
"A Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi tomada de surpresa com a ocupação da Reitoria por representantes de movimentos negros. O fato se deu durante a realização de uma reunião na qual participavam o Reitor e membros da Administração Central, integrantes das Comissões de Autodeclaração e dos movimentos negros. Com a invasão do prédio, a Reitoria entende que está encerrado o diálogo, mas que será mantida a implementação dos pontos firmados durante a reunião.
O que ficou acordado durante a reunião da tarde de 7 de março:
- Reafirmado que o elemento predominante na avaliações é o FENÓTIPO do candidato e não dos avós, em qualquer instância da avaliação. O que a portaria 937 (que atualiza a portaria 800) faculta é que candidatos não homologados apresentem documentação comprobatória e adicional que julgarem relevante.
- Atende demanda anteriormente apresentada pelos movimentos negros de aumentar o número de avaliadores nas comissões e incluir a representação discente.
- Definido que o Reitor receberá um único parecer com recomendação da Comissão Recursal por candidato.
- Acordada a formação de um grupo de trabalho plural com o objetivo de aprimorar o processo de verificação da veracidade das autodeclarações raciais.
Diante da ocupação do prédio da Reitoria, a UFRGS resolve:
- Manter as avaliações, respeitando e aperfeiçoando os itens que foram acordados durante a reunião entre a Administração Central e representantes dos movimentos negros;
- Manifestar sua solidariedade aos servidores que tiveram a saída do prédio bloqueada no dia de ontem. Durante todo o período, o Reitor buscou a negociação para uma saída pacífica para a situação, a fim de preservar a integridade das pessoas que estavam impedidas de deixar a Reitoria.
- Informar que, no momento, as comissões Permanente e Recursal estão reunidas para, em conjunto, encaminhar os pontos acordados nas reuniões dos dias 5 e 7 de março, a fim de dar prosseguimento às aferições e, assim, garantir os direitos dos candidatos à matricula na Universidade."