A matéria de capa da terceira edição impressa do Planeta Ciência contou com a colaboração do professor Paulo Vizentini, do curso de Relações Internacionais da UFRGS. A seguir, você confere a entrevista com Vizentini na íntegra:
Planeta Ciência - Cerca de 1% das mortes na I Guerra Mundial vieram pelo uso de armamento químico. Meses antes da invasão do Iraque, Colin Powell chegou a lançar a pergunta "é pior morrer de gás ou de fome?" ao mencionar a Coreia do Norte. Na Síria, a guerra civil contabilizava 100 mil mortes por armamento "convencional" até que os rumores de uso de armas químicas cresceram a ponto de se tornarem a justificativa para uma intervenção. Por que as armas químicas estão fora da "ética da guerra"?
Paulo Vizentini - As armas químicas mataram poucos soldados na I Guerra Mundial, pois o gás mostarda queima e cega, ao contrário de outros elementos mais modernos que sufocam também. Argumenta-se que elas nãos fariam discriminação entre militares e civis. E foram muito pouco eficazes, porque dependem de condições geográficas e meteorológicas muito específicas para ter algum efeito. Mas creio que a razão é que, para quem tem um arsenal sofisticado, elas pouco valor possuem. Seria mais a "arma de destruição massiva" dos países com menos recursos. Os grandes bombardeios estratégicos, napalm e armas nucleares também não discriminam suas vítimas (e são muito mais eficazes, mas não proibidas), mas só as grandes potências possuem. Daí países como Síria, Iraque e Líbia terem mantido estoques.
PC - A CIA garantia que o Iraque tinha armas de destruição em massa. No que a situação atual difere daquela alegada para atacar o Iraque? A administração Obama não tem sido transparente em relação às provas de que Assad vem usando sarin. Investigadores da ONU já relataram indicativos de uso do gás por rebeldes. A avaliação do Congresso americano é suficiente para dar ares de transparência a uma intervenção?
P.V. - A CIA, como no caso do Iraque, é parte interessada e sem verificação da ONU, não tem credibilidade alguma. Inclusive, boa parte do arsenal do exército caiu nas mãos dos rebeldes e o registro de uma munição pouco comprova. Neste caso, o analista inteligente deve questionar "a quem interessa", considerando o momento em que o fato ocorre. Embora oficiais subalternos podem cometer atos disfuncionais, é pouco provável que o regime autoritário de Assad (muito mais cauteloso que os rompantes de Saddam Hussein) usasse armas químicas num momento em que negociadores internacionais se encontravam no país, e justamente num bairro da capital! Uma pequena mudança atmosférica poderia levar o gás ao bairro vizinho, apoiador do regime. Talvez num bastião isolado, essencialmente rebelde, num recanto distante do país, onde o custo militar de uma ataque militar fosse alto, pudesse ocorrer. Mas na capital, não faz sentido e já há indicativo dos inspetores que os rebeldes já usaram tais armas. É claro que o regime usaria tudo ao seu alcance, se pudesse, mas sabe que sua situação internacional está por um fio.
P.C. - Por que os EUA teriam interesse em atacar a Síria? E por que, para a Rússia e o Irã, é interessante que o poder na Síria siga com Assad / alauitas?
P.V. - Curiosamente, há uma campanha para um ataque, mas não um desejo de envolvimento nem de invasão. A Rússia, depois do que houve na Líbia, não cederá e ajudou o regime a se manter. E o faz, sobretudo, porque o colapso da Síria poderia preparar o caminho para uma guerra contra o Irã, seu aliado mais importante e que mais ajuda a Síria. Assim, apenas a França parece disposta e se envolver. Para os EUA, Inglaterra e Israel, a continuação da guerra representa um desgaste cada vez maior para o Irã (como já ocorreu na Guerra Irã-Iraque), além das alternativas de poder em Damasco conterem ainda mais riscos com a queda de Assad (islamismo radical, por exemplo). Assad conseguiu passar à ofensiva e os rebeldes se encontram em dificuldades. Daí que alguns grupos dentro dos países Ocidentais almejam um reequilíbrio, com um bombardeio destruindo parte do arsenal governamental sírio. Mas, como disseram inúmeros parlamentares americanos e britânicos, "por que nos envolveríamos num conflito identitário, sem que haja uma ameaça à nossa segurança nem uma proposta de solução estabilizadora"?