Com 13.739 participantes e cinco coletas de dados ao longo de três anos, um estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) revela um impacto persistente da pandemia na saúde física e mental da população gaúcha. Entre as informações levantadas pelo Coorte Pampa, está um registro maior de sintomas de depressão e ansiedade entre mulheres, na comparação com homens.
Os relatos dos problemas ligados à saúde mental são coletados pelos pesquisadores desde junho de 2020. Para o levantamento, foi criada uma escala, na qual é verificada a frequência com que os sintomas neuropsiquiátricos se manifestam. Os valores variam de zero a 21.
Os participantes responderam aos questionamentos de forma virtual em cinco momentos diferentes, chamados de ondas: em junho e dezembro de 2020, em junho de 2021, de 2022 e de 2023. Os escores desses momentos foram apresentados junto ao registrado no período pré-pandemia, a título de comparação.
Entre os homens, o pico de depressão foi no início da pandemia. Para as mulheres, contudo, a pior fase, com relação a esse sintoma, foi em junho de 2021, período no qual também foi reportado o momento mais crítico no quesito ansiedade para ambos os gêneros. O agravamento dos transtornos também foi superior para as participantes do público feminino: o escore de sinais depressivos chegou a crescer 82,3% entre elas, na comparação com antes da pandemia, contra 53,6% entre eles - no caso masculino, o auge foi em dezembro de 2020. No que se refere aos traços de ansiedade, chegaram a ter aumento de 62,7% nos homens e de 65% nas mulheres.
— Observamos que existe uma tendência de queda nesses sintomas, mas eles permanecem mais recorrentes do que antes da pandemia. Isso, num contexto em que o Rio Grande do Sul é o Estado com a maior prevalência de depressão do país, e em que o Brasil é o primeiro país com mais ansiedade e o quinto com mais depressão no mundo. Já era preocupante e, agora, estamos em uma situação um pouco pior — analisa Natan Feter, pesquisador na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Coorte Pampa, profissional de Educação Física.
Segundo Feter, antes de 2020, as mais afetadas por sintomas de depressão e ansiedade já eram, via de regra, as mulheres, além das pessoas mais jovens. Em seu entendimento, a pandemia evidenciou ainda mais o problema. O pesquisador cita a sobrecarga como o fator para esse cenário, diante das jornadas que, muitas vezes, somam atividades laborais com cuidados domésticos e a família.
— É uma carga de estresse muito grande. E nesses momentos, assim como já vimos em outros períodos de crises econômicas e sociais, as mulheres sofrem mais — pontua o estudioso.
Outra disparidade ligada a gênero diz respeito à prática de atividades físicas. Apesar de a média de exercícios ter voltado aos patamares de antes de 2020, a diferença de tempo semanal dedicado a isso, que já era de cerca de 60 minutos a mais para homens, na comparação com mulheres, aumentou para 70 minutos.
— Não chega a ser uma surpresa: se elas têm uma prevalência maior de uma doença incapacitante como a depressão, irão, consequentemente, fazer menos atividades físicas — conclui Feter, acrescentando que os exercícios reduzem o risco de sintomas depressivos e, inclusive, ajudam a tratá-los.
Covid longa
Outros indicativos da coorte são relativos à incidência de covid-19 longa. Os pesquisadores concluíram que pessoas que positivaram para a doença mais de uma vez tiveram probabilidade superior de apresentar os efeitos a longo prazo. Usuários de cigarros eletrônicos e pessoas em situação de insegurança alimentar também tiveram mais registros de covid longa.
Os efeitos a longo prazo da doença foram identificados em oito de cada 10 adultos. Os sintomas mais relatados foram cansaço (60,8%), problema de memória (50,8%), tosse (43,1%), dor de cabeça (41,0%) e perda de cabelo (37,9%). Os sintomas foram mais prevalentes em pessoas que tiveram covid-19 mais de uma vez.
Coorte Pampa
O estudo em andamento na UFPel, em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e da Brown University (EUA), investiga os efeitos da pandemia na saúde da população gaúcha. Três perguntas centrais foram exploradas: como ficou a saúde física e mental da população, quais fatores contribuíram para um agravamento da saúde ao longo da pandemia e quais condições de saúde exigem vigilância contínua.
O grupo de estudiosos seguirá com a pesquisa pelo menos por mais dois anos, por meio de financiamentos da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado do RS (Fapergs) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A expectativa é que os questionários passem a ser feitos de forma presencial e incluam a coleta de sangue, o que permitiria um entendimento mais a fundo dos problemas reportados.