O Dia das Mães é comemorado neste domingo (14), mas, mesmo a data represente um momento de celebração, ainda há muito trabalho pela frente no que se refere a igualdade das mães na sociedade. Uma pesquisa recente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mostrou que o preconceito contra quem teve filhos na ciência atinge mais as mulheres, reduzindo a participação das mesmas no mercado de trabalho.
O estudo, que foi chefiado por Fernanda Staniscuaski, do Centro de Biotecnologia da UFRGS, e publicado na revista Humanities and Social Sciences Communications, do grupo Nature, revelou que mulheres, em decorrência da licença-maternidade, recebem uma visão negativa no ambiente da pesquisa, uma vez que existe o estigma da flexibilidade na academia — ou seja, um sistema que pune aqueles que não são os "trabalhadores ideais". Elas também relataram que se sentiram mais pressionadas a somar novas tarefas ao seu dia a dia após o retorno da licença-maternidade.
A pesquisa, que ouviu 890 cientistas docentes brasileiros, faz parte do movimento Parent in Science, iniciado em 2016 e que conta com um grupo de pesquisadores do país inteiro. A iniciativa discute a questão da parentalidade no ambiente acadêmico, mas com foco principal na maternidade. Com isso, os estudiosos buscam levantar dados e discussões para que se desenvolva uma política de apoio às mães na academia.
Alguns dos dados que mais chamam atenção são os que mostram que, no ambiente acadêmico, 63% dos pais afirmaram que não sentiram nenhuma mudança quanto a percepção dos colegas e superiores sobre a sua competência e comprometimento com o trabalho após terem filhos. Já no que diz respeito às mães, apenas 35% não notaram nenhum tipo de diferença — e as mulheres com menos de 15 anos de contratação foram as que mais perceberam o viés negativo.
— A gente chama de discriminação normativa. As mulheres, depois de se tornarem mães, sempre são questionadas a respeito da sua competência. É muito comum ver alguém dizendo que "agora que ela é mãe, não vai ter tempo, porque a prioridade dela é o filho", mas nunca questionam um homem sobre a prioridade dele também ser o filho — diz Fernanda, que ainda acrescenta que, depois da maternidade, a mulher precisa sempre provar a sua competência.
Por sinal, dentro da pesquisa, 74,4% dos pais concordaram que seu desempenho foi avaliado de forma justa por seus colegas e superiores após o nascimento do filho. Para as mães, porém, a percepção ficou em 52,4%. Já na questão das oportunidades, cientistas do sexo masculino com filhos concordaram plenamente que tiveram tanto acesso a novas conquistas profissionais quanto seus colegas em uma taxa mais alta (71,8%) do que as mães (42,8%).
Em outro ponto que merece destaque dentro da pesquisa, que contou com 22 perguntas, nas quais os participantes deveriam responder dentro de uma escala de 1 a 5 — sendo que o 1 significa "discordo totalmente" e 5 é "concordo totalmente" —, 50,5% dos pais discordaram totalmente que sentiam que precisavam provar constantemente sua competência para obter o mesmo nível de respeito e reconhecimento recebido pelos colegas, enquanto apenas 28,8% das mães discordaram totalmente da mesma afirmação.
— A gente sabe que, sim, a mulher vai ter uma queda de produtividade durante o período de maternidade, porque não temos uma política de apoio e tudo mais. Mas é muito mais uma questão cultural achar que a mulher se tornou incompetente porque é ela quem vai cuidar dos filhos. Então, esses dados são bem ilustrativos de como é a realidade de ser uma cientista dentro das nossas instituições brasileiras — aponta a chefe da pesquisa.
Para Lucilene Athaide, doutoranda em Ciências da Comunicação na Unisinos, que tem um filho de de um ano e quatro meses, a discussão ainda abrange a questão étnico-racial, uma vez que ela, além de mãe, também é uma mulher negra.
— O meu corpo ele já não é aceito dentro da universidade. Eu passo por uma série de descredibilização, uma série de deslegitimação do meu trabalho. Então, se uma mulher negra não é aceita nesse ambiente, quiçá seus filhos — conta.
A doutoranda explicou que, quando anunciou para os seus pares acadêmicos que estava grávida, ouviu de diversas pessoas, antes mesmo de ser parabenizada pelo bebê, o questionamento "e o doutorado?". E, de acordo com ela, era possível sentir na fala dessas pessoas que eles esperavam que ela dissesse que havia desistido de sua vida acadêmica para se dedicar à maternidade.
— Eu lembro que comecei a brincar com a situação e, toda vez que alguém me perguntava "e o doutorado?", eu dizia: "O doutorado está bem, obrigado. Está no mesmo lugar, onde sempre esteve na minha vida, ocupando o mesmo espaço. Só que, além de parir uma criança, estou fazendo uma tese" — relembra Lucilene.
Mudança
Ao final do estudo, os pesquisadores levantam alguns pontos que podem ajudar na mudança de realidade para as mães dentro do cenário das pesquisas. Um deles é a diferença entre as licenças remuneradas — enquanto a maternidade varia de 120 a 180 dias, a paternidade fica entre 5 e 20 dias. Esta falta de paridade causa desigualdade de gênero e, por isso, incentiva-se que as licenças sejam longas ou compartilhadas para ambos, criando um cenário mais justo para as mães.
Fernanda Staniscuaski também reforça que mudanças culturais são necessárias — a começar pela que prega as jornadas extensas e trabalho:
— Dedicação não quer dizer trabalhar de segunda a segunda, sem férias, sem feriado, sem final de semana. Então, a gente precisa construir isso, para que outras maneiras de fazer ciência sejam naturalizadas na academia. Essa questão do produtivismo que a gente tem é um problema principalmente para as mulheres, mas também afeta qualquer pessoa que tenha outra função na vida que não seja somente trabalhar.
A doutoranda Lucilene Athaide, por sua vez, também pensando nesta realidade, criou um movimento chamado AmamenTese, em seu Instagram (@lucilene_athaide), em que detalha o momento em que está vivendo, fazendo analogia com a amamentação de seu bebê e com o nascimento de sua tese do doutorado. E, para quebrar essa realidade apontada pela pesquisa da UFRGS, ela acredita seria importante acabar com a lógica produtivista da academia:
— É humanamente impossível esperar que mulheres mães frequentem todos os congressos, todos os eventos e ainda consigam dar conta da infância de uma criança, como é o meu caso. Não que cuidar seja uma tarefa exclusiva de uma mãe, não é isso, mas a academia nos prega, hoje, uma lógica completamente produtivista, patriarcal. Além disso, eu acho que as universidades têm que garantir a permanência dessa mãe.
Fernanda Staniscuaski ainda complementa que a sociedade é "extremamente sexista" e que existe o mito de que a mulher tem o "dom de cuidar". Ela, porém, reforça que não existe nenhum fundamento biológico neste tipo de afirmação. Assim, a pesquisadora acredita que é necessário acabar com estes preconceitos entranhados na academia e, assim, não dar espaço para este tipo de comentário.
— No ambiente acadêmico, ainda se questiona a capacidade da mulher continuar sendo uma ótima profissional só por causa dos filhos, mas nunca se questiona a capacidade de um pai. Muito pelo contrário, existem trabalhos que mostram que pais, muitas vezes, passam a ser percebidos como mais dedicadas ao trabalho porque viraram os provedores da família e precisam cuidar dos filhos — enfatiza Fernanda.
O estudo foi divulgado na véspera do Dia das Mães por acaso, detalha a chefe da pesquisa, uma vez que os dados foram submetidos à revisão por pares ainda em agosto do ano passado. Mas a coincidência ajudou a colocar tais resultados em destaque justamente na época em que se celebra a maternidade, sendo um momento oportuno para reflexão.