Pela terceira vez em 35 edições, um pesquisador do Rio Grande do Sul receberá a maior honraria de Ciência e Tecnologia no Brasil. O epidemiologista e professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cesar Victora terá sua trajetória reconhecida pelo Prêmio Almirante Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), em parceria com a Marinha do Brasil.
O prêmio é considerado uma das mais importantes distinções científicas do Brasil. Anualmente, um pesquisador é condecorado. A honraria é concedida em sistema de rodízio para profissionais das três grandes áreas do conhecimento: Ciências Exatas, da Terra e Engenharias; Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes; e Ciências da Vida. Em 2023, o vitorioso é da área de Ciências da Vida. São considerados critérios como o impacto das pesquisas, a relevância dos resultados e a inovação das metodologias utilizadas.
Essa está longe de ser a primeira premiação recebida por Victora. Reconhecido nacional e internacionalmente, o epidemiologista de 71 anos é integrante da Academia Brasileira de Ciências, membro do Conselho Científico da Organização Mundial da Saúde (OMS) e já foi agraciado com honrarias como o Prêmio Abraham Horwitz, da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o Canada Gairdner Global Health Award e o Richard Doll Award, maior distinção da Associação Internacional de Epidemiologia, o qual é concedido a cada três anos. Mesmo assim, o gaúcho de São Gabriel nunca quis sair de Pelotas, onde leciona desde 1977, e é um entusiasta da ciência brasileira e a do RS.
— A ciência no Brasil passou por anos muito difíceis, não só pelo corte de verbas para pesquisa, mas porque o governo Federal insistia em desrespeitar as recomendações científicas sobre questões como clima e pandemia. Esperamos que a conduta seja diferente neste governo — observa o professor, que, em 2021, rejeitou uma promoção ao grau de Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico concedida pelo então presidente Jair Bolsonaro.
Em sua trajetória, Victora liderou pesquisas que embasaram políticas públicas importantes, como a recomendação do aleitamento materno exclusivo até os seis meses do bebê e a construção de curvas de crescimento infantil adotadas hoje em mais de 140 países. Desde então, sente que as áreas às quais mais se dedicou tiveram melhoras significativas no Brasil.
— Nos anos 1970, quando comecei a trabalhar, tinha muita criança morrendo por diarreia, por exemplo, e isso melhorou muito. De modo geral, as mortes por doenças preveníveis tiveram redução. Mas há muito caminho a percorrer ainda, até porque não significa que, se um problema de saúde está ocorrendo menos, ele não vá voltar — pontua o epidemiologista.
Para os próximos anos, o pesquisador destaca a importância de retomar programas que tiveram bons resultados, como o Plano Nacional de Imunização, a Política Nacional de DST/Aids e o Mais Médicos, especialmente em cidades onde profissionais brasileiros da Medicina não têm interesse em atuar.
— Poderíamos ter um auxiliar médico que desse conta dos problemas mais simples e que encaminhasse casos complicados, por exemplo. Na África, onde trabalhei nos últimos anos, os auxiliares médicos conseguiram reduzir a mortalidade infantil e a materna, por meio de medidas simples. O Mais Médicos precisa ser repensado, mas retomado — analisa Victora.
Coordenador do Centro Internacional de Equidade em Saúde da UFPel, o epidemiologista chama a atenção para a importância de ampliar o investimento financeiro na ciência, a fim de evitar a fuga de cérebros, como é chamado o movimento de ida de cientistas brasileiros talentosos para o exterior.
— Todo ano perdemos, na UFPel, pessoas que terminam o doutorado e vão morar nos Estados Unidos, no Canadá, na comunidade europeia. Pessoas que fizeram toda a sua trajetória acadêmica sem pagar mensalidade e recebendo bolsa, mas não conseguem trabalho depois. Infelizmente, esse fenômeno nunca não aconteceu no Brasil, mas também nunca aconteceu tanto — avalia o docente, salientando que, atualmente, há projetos sendo pensados pelo MCTI que podem mudar essa realidade.
Victora defende que o Brasil já possui os mecanismos necessários para qualificar a ciência no país, além de formar bons pesquisadores. No entanto, acredita que essa qualificação da pesquisa brasileira depende de uma “reenergização” de programas de grande porte, como o Programa de Excelência em Pesquisa (Proep), que fornece bolsas para pesquisadores renomados realizarem estudos mais amplos, mas também do investimento no “sistema de balcão”, no qual uma ideia é enviada a um órgão de fomento à pesquisa, aprovada e financiada. O professor da UFPel cita, ainda, o financiamento de fundações estaduais.
— O Rio Grande do Sul é uma das potências científicas brasileiras. A Nossa Fundação de Amparo à Pesquisa, a Fapergs, precisa de financiamentos maiores por parte do governo estadual. Eles fazem um ótimo trabalho, mas precisam de mais apoio. Gastar com ciência é um investimento, e não um gasto — afirma o pesquisador, que cita China e Coreia do Sul como exemplos de países que investiram em pesquisas e elevaram sua relevância.
Além de Victora, o Prêmio Almirante Álvaro Alberto já foi oferecido em 1994 ao professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Francisco Mauro Salzano, um dos mais eminentes geneticistas da América Latina, e, em 2010, ao pesquisador argentino Ivan Izquierdo, que passou boa parte da vida em Porto Alegre, lecionando na UFRGS. Ele é considerado pioneiro no estudo da neurobiologia da aprendizagem e da memória.
A premiação do CNPq acontecerá no dia 10 de maio, durante a reunião magna da Academia Brasileira de Ciências, na Escola Naval do Rio de Janeiro. Na ocasião, também serão entregues os títulos de Pesquisador Emérito e a Menção Especial de Agradecimentos do CNPq, anunciados ao final de março. O vencedor recebe medalha, diploma e R$ 200 mil em espécie, oferecidos pelo CNPq e MCTI, além de uma visita ao Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (ICT) e uma viagem à Antártica, a critério do agraciado, oferecidas pela Marinha do Brasil.