A fantasia dos quadrinhos segue um roteiro bastante conhecido: autor do crime, o vilão é combatido pelo herói, responsável por manter a sociedade protegida do mal. Os bandidos são capturados e punidos por desobedecerem às leis, e o mocinho, ao fim, ganha a admiração de todos. Foi inspirada nessa narrativa que uma professora de Ivoti, no Vale do Sinos, formou sua turma do ensino infantil. Bruna Gutteres de Almeida, 25 anos, transpôs a ficção ao levar as histórias dos gibis para a sala de aula. Juntos, apontaram qual o lado correto deve ser seguido: o de fazer o bem.
— Eu quero ser médico. Porque eu quero dar vacina — se antecipa Lorenzo Gorlach, cinco anos, com estetoscópio sobre o jaleco branco.
Salvar vidas através da medicina não é uma escolha aleatória. A didática da professora envolveu um debate após a leitura das revistas, com objetivo de apontar quais profissionais podem ser classificados como super-heróis da vida real.
— Os alunos entenderam que o super-herói é aquele que faz o bem. E eles escolheram como heróis da vida real os policiais, bombeiros e os médicos, que são os que combatem o mal — explica a educadora.
O projeto envolveu ainda uma segunda etapa, a caça aos heróis do cotidiano que haviam sido identificados pela turma: no entorno da Associação Educacional Criança Feliz, entidade sem fins lucrativos, com vagas bancadas pela prefeitura de Ivoti, os estudantes conheceram os policiais que zelam pela segurança do bairro. No hospital da cidade, visitaram técnicos e enfermeiros, médicos e outros trabalhadores da saúde. Foram além: praticaram, eles próprios, uma boa ação, ao doarem para os pacientes alimentos trazidos de casa.
Micael Petineli de Paula, seis anos, dividiu a alegria de conhecer os seus ídolos, os bombeiros, com a gratidão dos sorrisos de quem recebeu as cestas básicas. A atitude altruísta do filho foi recompensadora, afirma Michelle Petineli, 37 anos.
— Ele ficou muito eufórico, chegou em casa dizendo que tinha visto os super-heróis no hospital. E claro, o carro dos Bombeiros — relembra.
Prêmio e reencontro da turma
A iniciativa foi implementada em 2021 e reconhecida com o prêmio Destaque Educação 2022 da EducaWeek, evento de ensino básico que reúne docentes de todos os Estados do Brasil. Bruna ficou em primeiro lugar, contemplada com uma bolsa de estudos que inclui encontros com professores de Harvard, nos Estados Unidos, e especialistas de outros países.
— Foi um momento mágico para as crianças e eu estou muito feliz com o reconhecimento, chegando em primeiro lugar — comemora a docente.
Ela recebeu mais um troféu, na tarde desta quinta-feira (27), ao rever os alunos que com ela montaram um novo esquadrão de combate ao mal. A convite da direção, o grupo se reuniu no pátio da escolinha. A maioria vestia roupa dos homens e mulheres treinados para servir em suas missões. Já outros, escolheram os superpoderosos, como o "menino-aranha" Bruno Bianchin Kolling, cinco anos.
— Vou ser cientista — diz o garoto.
Questionado por que escolheu a ciência, ficou um tempo sem resposta. Acabou socorrido pelo médico Lorenzo:
— Pra fazer experimento.
A proximidade dos amigos é visível na corrida pelo gramado, por entre os labirintos do trepa-trepa e na lembrança de quem não pôde ir ao colégio.
— Faltou o Tiago — gritou um dos alunos.
Adultos mais preocupados com o social
O protagonismo das crianças na dinâmica é apontado como fundamental para a aprendizagem nessa idade, segundo Daiana Rocha, gerente acadêmica da Edtech +A Educação. Amplia a conexão com o mundo e ajuda a moldar a personalidade, desde o primeiro ano de vida, de acordo com a especialista.
— Contempla competências socioemocionais imprescindíveis para instigar alunos cada vez mais críticos, questionadores, socialmente preocupados com o seu papel no mundo e principalmente com um senso de pertencimento para construir uma sociedade cada vez mais igualitária — finaliza Daiana, doutora em educação.
Orgulho na escolinha
A agora premiada professora recebe os parabéns um pouco encabulada. Ela recorda que teve, desde a infância, uma parceira que continua ao seu lado: a irmã gêmea.
— De pequeno a gente brincava com as mesas e cadeiras em casa, dando aula para as bonecas e para os ursinhos — conta Larissa de Almeida Palaver.
As gêmeas se formaram juntas no magistério e trabalham na mesma escolinha - instituição gerenciada por outra dupla de irmãs, as diretoras Cristina Lippert Müller, 37 anos e Juliana Lippert Mielke, 43.
— Estamos felizes e orgulhosas pelo prêmio da "profe" — diz Cristina.
— Esse projeto envolveu a comunidade escolar, as famílias e as crianças. Ensina a participação e solidariedade, né? — complementa Juliana.