Em meio ao empobrecimento dos brasileiros, com 33 milhões de pessoas passando fome todos os dias, segundo pesquisa divulgada em junho pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), cresce o número de crianças que comem carne ou consomem a única refeição do dia apenas na escola. Todos os dias, 40,3 milhões de crianças e adolescentes se alimentam gratuitamente em escolas públicas de todo o país.
São fartos os estudos mostrando que a alimentação equilibrada está relacionada ao bom desempenho em aula. A fome reduz foco, memória e capacidade de raciocínio. Desnutrida, a criança desenvolve menos conexões neurais – o que, no futuro, pode prejudicar a ascensão social. Há pelo Estado bons exemplos de investimento de recursos na merenda escolar. GZH foi à cidade de Dois Irmãos, município no qual quase 70% da merenda vem de pequenas propriedades. A cidade foi premiada pelo programa de compra de carne de gado de agricultura familiar – antes, era adquirida por pregão eletrônico de mercados varejistas e atacadistas.
— Quando a gente comprava carne de outras cidades, por quanto tempo ela ficava congelada? Era uma carne muito inferior, com gordura e água além do que deveria ter, fora os relatos de cheiro desagradável quando a carne era cozida na escola. Agora, a carne é diferenciada, mais fresca — resume Fabiane Möller Borges, nutricionista da Secretaria de Educação de Dois Irmãos.
Carnes menos nobres, como coxão de dentro e de fora, costela e vazio viram iscas e carne moída. Carnes mais nobres e macias, como filé mignon, alcatra e picanha, são direcionadas aos alunos menores, com dentes em formação. Resultado: as crianças aumentaram a ingestão de proteína. No município, o Pnae paga cerca de R$ 40 mil por ano para 40 das 120 famílias que atuam com agricultura, segundo a Emater local – o valor representa 20% da produção do ano das famílias.
GZH acompanhou as refeições de alunos da Escola Municipal de Educação Infantil Jardim da Alegria, localizada no bairro Travessão, de Dois Irmãos. O almoço começara a ser servido às 10h15min: arroz, feijão, aipim, carne moída, farofa, alface, couve-flor e cenoura. Com satisfação, Fernanda, de três anos, lambuzava a boca com feijão. Depois de se alimentar, foi questionada pelo repórter sobre o que mais gosta de comer na escola:
— Massa e polenta. E uva!
A mãe de Fernanda, a vendedora Kaiolani Gatelli de Oliveira, 36 anos, diz que a filha prova comidas novas na escola e requisita o alimento em casa — caso de beterraba e kiwi. A história é conhecida de nutricionistas: é quando a merenda contribui para romper a seletividade alimentar comum na infância.
— A Fernanda adora a comida da escola. Vejo que ela come coisas que a gente não consegue oferecer em casa na mesma diversidade, como quatro diferentes tipos de salada. A escola também introduz frutas e outras comidas diferentes, acaba contribuindo para os filhos serem saudáveis — afirma Kaiolani.
Durante os dois primeiros anos de pandemia, quando as aulas presenciais estavam suspensas, a merenda foi transformada em kits de alimentação, distribuídos pelas escolas às famílias. Em Dois Irmãos, famílias receberam até mel orgânico e biscoito artesanal.