Ler o primeiro livro completo levou apenas três dias. É o que conta Augusto Francisco Kovalek Zacher, 13 anos, aluno do sétimo ano da rede municipal de ensino de Gravataí, na Região Metropolitana.
Augusto é um dos 24 alunos com deficiência visual beneficiados pela prefeitura com o acesso aos óculos inteligentes. Com tecnologia israelense, o dispositivo OrCan MyEye permite o reconhecimento de até 200 rostos, fazer a leitura de livros, identificar rótulos de produtos, entre outras facilidades. A iniciativa municipal tem a intenção de promover maior inclusão e autonomia aos estudantes. Conforme a prefeitura, o investimento foi superior a R$ 400 mil.
Os primeiros óculos inteligentes foram entregues em uma cerimônia que ocorreu no dia 1º de junho. No dia seguinte, Augusto demonstrava animação com a nova tecnologia oficialmente em mãos:
– Por enquanto, a parte que achei mais legal é colocar os rostos para a identificação e também a leitura dos produtos.
Em março, o equipamento havia sido testado pelo adolescente. Conforme a mãe de Augusto, a professora Kátia Kovalek Zacher, 41 anos, ele passou pelo treinamento e utilizou a tecnologia para fazer temas em casa e tarefas em sala de aula.
– Como aluno, ele sempre foi muito bom, muito esforçado. Ele faz a mesma prova que o restante da turma e participa das atividades com os colegas. Mas tanto na sala quanto em casa, com os temas, sem óculos, eu teria que estar sentada lendo os textos para ele responder. Com os óculos, o máximo que eu tenho que fazer é ajudar ele a responder – explica Kátia.
Funcionamento
O dispositivo possibilita que pessoas com deficiência visual compreendam textos e identifiquem objetos através de áudio descritivo. Com a ponta do dedo, o usuário direciona o foco do equipamento para a leitura dos textos, reconhecimento de cédulas, cores, código de barras, produtos, rostos e, além disso, informa a hora com o movimento de olhar para o pulso como se estivesse com o relógio.
Conforme Kátia, além da função de ajudar com a aprendizagem, Augusto, assim como os outros alunos, consegue socializar:
– O que ganha mais é a questão da socialização, pois ele só percebe quem está na roda quando a pessoa fala. Com os óculos, ele vai estar gravando os rostos dos colegas e dos professoras e vai saber com quem está conversando. Ele salvou meu rosto e o aparelho faz a leitura minuciosa, como se fosse analisar de todos os ângulos. Além disso, os óculos podem ser utilizados com fones de ouvido, sendo ainda mais discretos na hora de ouvir.
Com orgulho, Kátia detalha o desenvolvimento de Augusto, que além de bom aluno, já foi medalhista em atletismo e é o atual campeão do torneio de xadrez da cidade.
– No campeonato de xadrez, ele é campeão entre o público geral. Fico muito feliz pela dedicação que ele tem, pois mesmo com a pouca visão consegue estar fazendo coisas novas e sempre aprendendo mais.
O adolescente contou que o primeiro livro lido que foi da série Authentic Games e que não para por aí:
– Eu quero ler mais alguns. Tenho uns 30 livros em casa.
“Inclusão que tanto se fala”
A estudante do quinto ano Andriely Glaci da Silva Vieira, 10 anos, que possui baixa visão, também já está usando os óculos. Entre as funções mais atrativas para ela está o reconhecimento de rostos.
– Tenho amigos para programar (na memória dos óculos) e tenho vários livros da minha escola para ler – comenta a menina, que havia recebido os óculos há apenas um dia.
Sua mãe, a dona de casa Andressa da Silva Martins, 30 anos, celebra a maior autonomia e independência para os afazeres relacionados à educação:
– Para a gente foi maravilhoso, é a inclusão que tanto se fala chegando até nós. Muitas vezes, não é possível ter o monitor ao lado para ajudar e, apara ela, é muito importante poder fazer sozinha.
Igualdade nas salas de aula
Uma das pessoas que trabalhou para que o OrCan chegasse aos alunos foi a servidora municipal e presidente do Conselho Estadual dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Patrícia Lisboa, 39 anos. Cega desde os dois anos de idade, ela fala com alegria sobre como o projeto pode mudar a realidade de um grupo. Patrícia, que é bacharel em Direito, atua na Assessoria de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência (APPPD) do município.
– Quando soube dos óculos, entrei em contato com a empresa e com pessoas que usam para saber como se aplicava. A primeira proposta era de levar para Secretaria de Educação por causa do público mais necessitado dessa tecnologia. Pois, eles, os alunos, recebem tantos materiais, mas não possuem recursos com esses materiais didáticos. Com a compra desses óculos, o aluno com deficiência visual também tem mesmo livro que o colega recebeu. Também queremos entregar o livro em braile ou ampliado para quem quer usar outros meios. É a igualdade chegando às salas de aula – explica Patrícia, que tem por objetivo profissional tornar Gravataí a capital da acessibilidade.
Em fevereiro de 2021, Patrícia promoveu uma reunião de apresentação do equipamento e, após este encontro, a então secretária da Educação Sônia Oliveira (falecida em agosto de 2021) iniciou as tratativas para a aquisição. O projeto foi abraçado pela atual titular da pasta, Magda Ely, e pelo prefeito Luiz Zaffalon. Em agosto do ano passado, o município adquiriu um exemplar para que fossem realizados testes. Nesta fase, cinco alunos usaram o equipamento durante 15 dias.
Segundo a prefeitura, a cidade é a primeira do Rio Grande do Sul a adquirir os óculos inteligentes. Todos os alunos com deficiência visual da rede receberão o equipamento e, conforme explica a secretária, Magda, os dispositivos ficarão com os alunos por todo o tempo em que eles permanecerem na rede municipal.
– Temos a convicção que esses óculos vão mudar a rotina deles na escola, tanto na aprendizagem quanto na vida. O termo é no formato de empréstimo, mas não fica restrito à utilização só na escola. O aluno pode usar para todas as situações na vida.
Segundo Magda, futuramente a pasta tem a proposta de encaminhar um projeto de lei para a Câmara de Vereadores que visa a doação do dispositivo ao aluno.
– Não temos a noção da amplitude que isso tem na vida das pessoas, é mais do que um investimento financeiro, é possibilitar uma escolarização melhor, diminuindo as barreiras e oportunizando maior autonomia – finaliza.