A precisão é imprescindível para quem trabalha em uma fábrica de tratores. O menor dos detalhes pode fazer toda a diferença no resultado final. Garantir qualidade do equipamento e segurança de quem usa são tarefas que o montador profissional Cristiano de Souza Sarmento leva muito a sério. Com deficiência visual, recebeu a primeira oportunidade na unidade de Canoas da Massey Ferguson há 14 anos. Hoje tecnólogo em Logística, ganhou uma carreira, amigos e um projeto para o futuro. Nesta entrevista, ele compartilha sua história diária de superação.
Como foi sua chegada à fábrica de tratores?
Comecei em 2007, na área de montagem de radiador. Em 2008, meu facilitador me deu uma oportunidade na parte de hidráulica. Eu disse: "vamos, estou pronto para o novo desafio". Comecei a aprender na célula (espaço de trabalho) em que estou hoje. É toda a parte hidráulica de montagem de trator, filtros, cilindros. Foram entrando novos modelos de trator e fui ficando ali. Sei trabalhar no radiador também, onde comecei, só que está totalmente diferente agora. Também na área em que são montadas as peças do trator, os pedais, alternadores, na tubulação.
E como faz para encaixar as peças sem poder vê-las?
A minha célula não tem nada de adaptação. É tudo sempre no mesmo lugar, do soquete à apertadeira. E decorar na cabeça mesmo (decora a posição de cada peça no gaveteiro). E o pessoal também ajuda e coloca as peças sempre no mesmo lugar dentro dos carrinhos, onde vêm os kits com peças do centro de distribuição, também para eu ter facilidade. Quando muda alguém lá dentro, já sei...
Se imaginava trabalhando em uma fábrica de tratores ou surgiu essa oportunidade?
Trabalhei cinco anos na Associação de Deficientes Visuais de Canoas. Daí, terminei o meu segundo grau (ensino médio) e disse "ah, quero trabalhar em uma multinacional". Larguei currículo na AGCO, passei por várias entrevistas. Fui o primeiro deficiente visual na planta de Canoas.
O que mais gosta e qual o maior desafio no posto atual?
Gosto muito da equipe, tenho vários amigos. Minha esposa esteve mal, na UTI, por conta da covid, e toda a empresa me ajudou. E me apoia aqui dentro. Na inauguração da Arena, os colegas me levaram em jogo. Colegas que correm para arrumar chuveiros, vão para churrascaria. A equipe é fora de série.
O trabalho é de muita precisão no encaixe, no apertar dos parafusos. Como manter a concentração na jornada diária?
Tem de se concentrar. Às vezes, o pessoal de materiais deixa passar uns filtros amassados, e eu pego. Penso no agricultor que quer comprar um trator. Caso quisesse comprar um carro, não gostaria de comprar um com filtro ou alguma coisa amassada. Me coloco no lugar do agricultor, que para comprar uma máquina tem de investir muito dinheiro. Qualidade e segurança estão em primeiro lugar.
Qual considera sua principal qualidade na função?
Não sou diferente de ninguém, sou igual a todos. Mas as pessoas usam muito a visão, eu não. Uso o tato e, às vezes, eles não veem um amassado e largam no kit. No transporte, pode acontecer. Cada peça que chega, passo a mão para ver se está amassada ou não. Minhas mãos são a minha visão.
Daqui para frente, o que gostaria de fazer?
Sou formado em logística. Tenho (curso) técnico, fiz um estágio aqui dentro também. E sou tecnólogo em Logística pela Ulbra. E se tiver alguma oportunidade de trabalhar na área de suprimentos aqui dentro... É a área de logística, desafios que gosto, de todo dia de estar aprendendo coisas novas.
Que dica daria para uma pessoa com deficiência e que busca oportunidade profissional?
Em primeiro lugar, é estudar. E nunca desistir dos objetivos. E procurar trabalho. As empresas também têm de dar oportunidade. Nós queremos direitos, mas temos de ter obrigações também. Não é ser um deficiente que está na cota e não vai para a rua. Aqui, não sou diferente de ninguém, sou cobrado como todos. E acho certo: se quero meus direitos, tenho de trabalhar, mostrar serviço.