Duas professoras do Rio Grande do Sul compõem a lista de vencedores da 24ª edição do Prêmio Educador Nota 10, que reconhece profissionais de escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Para obterem essa conquista, elas desenvolveram projetos nas instituições de ensino onde atuam: a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Porto Alegre, na Capital, e a Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) Joaninha, em Novo Hamburgo. Os 10 trabalhos pedagógicos reconhecidos foram divulgados na quinta-feira (24), pelo site e redes sociais do prêmio.
Apesar de terem o avanço da educação como propósito comum, os projetos de Cristiele Borges dos Santos e Daniela Cardoso da Silva foram desenvolvidos em cenários bastante distintos. Enquanto uma delas trabalhou com crianças na faixa dos dois anos, a outra deu origem a um projeto junto à instituição que atende especificamente jovens e adultos em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade social. Como prêmio, cada uma ganhou um vale-presente no valor de R$ 15 mil.
O projeto A voz das crianças: conexões que aproximam foi criado pelos educadores da EMEI Joaninha, de Novo Hamburgo, com o objetivo de impedir que os alunos da Educação Infantil se afastassem da escola durante a pandemia. Natural de Sombrio, em Santa Catarina, e moradora da Região Metropolitana desde a infância, a professora Cristiele, 26 anos, conta que a ideia surgiu em abril de 2020, quando os profissionais perceberam que as aulas presenciais não voltariam tão cedo.
Junto ao Observatório da Cultura Infantil (Obeci), que é coordenado pelo professor Paulo Fochi, e incentivada pela rede municipal de ensino de Novo Hamburgo, a instituição começou a pensar em propostas pedagógicas que pudessem ter continuidade, mesmo com crianças de dois anos e de forma remota. Chegaram então ao cultivo da batata doce, que permitia um acompanhamento mais longo e uma investigação sobre seus avanços. Em casa, estudantes e seus pais tiveram que colocar o alimento na água e observar sua evolução.
Por meio de um grupo no WhatsApp, as crianças mandavam fotos, vídeos e áudios sobre o desenvolvimento das batatas. O principal intuito, segundo a professora, era observar o processo de entendimento e descoberta dos pequenos.
— Elas começaram a se comunicar por lá, enviavam áudios, conversavam entre eles. Nessa faixa etária, as crianças estão desenvolvendo a linguagem e isso incentivou para que elas falassem, porque tinham curiosidade para contar o que estava acontecendo com a batata delas — esclarece Cristiele, que dividiu a docência da turma com o colega Joandre Rafael Mathias.
O maior desafio do projeto estava relacionado à disponibilidade dos pais, já que todo o contato acontecia por meio da ajuda deles. Por isso, a professora conta que foi necessário motivar os adultos para que eles motivassem as crianças. Também foi preciso ter flexibilidade de horário, pois muitos só podiam fazer as atividades propostas à noite.
Como forma de incentivo, a instituição criou uma página no Instagram para postar o chamado “diário da batata”, mostrando a evolução do projeto de cada criança.
— Uma família incentivava a outra. Quando um mandava no grupo, o outro via e tinha vontade de fazer também. No final, a maioria fez, mas não era obrigatório. Queríamos mostrar que estávamos ali para dar apoio e não para ser uma carga a mais naquele momento — afirma.
Para a professora, que trabalha há 11 anos na área da educação, os maiores ganhos foram o desenvolvimento do vocabulário e o entendimento de que a tecnologia pode ser utilizada de forma positiva para o aprendizado. Ela comenta que o valor do prêmio será utilizado para melhorias e compras de alguns materiais para a escola, e para investimento em seus estudos.
Manual de Sobrevivência da EPA
Professora há duas décadas, a gaúcha Daniela Cardoso da Silva, 48 anos, é formada em História e atua como coordenadora pedagógica da EMEF Porto Alegre, também chamada de EPA. O local atende especificamente jovens e adultos em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade social.
Ela conta que a ideia do projeto que está entre os vencedores surgiu após a pior fase da pandemia, em 2021, a partir da música Manual de Sobrevivência, do compositor Bruno Amaral. Com o objetivo de mostrar como os estudantes estariam sobrevivendo durante o período — com a fome e o fechamento de importantes serviços de apoio, como a escola —, teve início o Manual de Sobrevivência da EPA.
— Nossa grande preocupação era como eles estariam sobrevivendo à pandemia e como isso seria abordado no retorno deles à escola, para que pudesse gerar também uma aprendizagem — relata. — Com esse trabalho, tivemos a intenção de ouvi-los, saber como sobreviveram, como é a vida nas ruas e quais são suas angústias e medos — acrescenta.
A partir da proposta, foi desenvolvido um projeto criativo interdisciplinar, que envolveu alunos e professores de diferentes disciplinas. Em sala de aula, cada educador elaborou alguma atividade relacionada ao manual. A turma de alfabetização, por exemplo, criou o Memorial da Rua, em que, por meio de fotografias, que geraram uma exposição, os estudantes mostraram onde moram, como vivem e como se alimentam. Outra professora trabalhou com imagens do livro Êxodos, de Sebastião Salgado, para fazer pinturas de aquarela e discutir a migração interna.
Uma terceira turma produziu textos com relatos a partir da música de Bruno Amaral. Na área da Matemática, um dos professores trabalhou com questões de educação financeira e economia solidária, já que muitos trabalham com reciclagem ou venda de balas e outros alimentos. Já nas disciplinas de História e Geografia, foram estudadas questões locais do Centro Histórico e do Arroio Dilúvio, enquanto na Língua Portuguesa ocorreu uma leitura coletiva do livro A Filha do Dilúvio, de Miguel da Costa Franco.
— Assim, fomos criando ferramentas de aprendizagem e isso acabou gerando dois curta-metragem e um longa, que é uma adaptação do livro A Filha do Dilúvio, onde os alunos fizeram o roteiro atuaram, e foi exibido na Cinemateca Capitólio — explica Daniela, que trabalha há três anos na EPA.
De acordo com a coordenadora, o valor do prêmio será utilizado para editar o livro, também chamado Manual de Sobrevivência da EPA, que abrigará todos os conteúdos produzidos pelos estudantes e relatos dos professores sobre desenvolvimento do projeto, e para fazer algumas melhorias necessárias na escola. Ela ressalta que a instituição é uma das únicas do Brasil com foco especificamente em pessoas em situação de rua e extrema vulnerabilidade — o que coloca uma importância ainda maior sobre o reconhecimento alcançado, que pode servir inclusive de inspiração para que outras escolas com esse perfil apareçam.
— A população de rua vem crescendo cada vez mais, mas essas pessoas acabam sendo invisíveis para todos nós. Então, estamos sempre tentando nos superar e nos manter ativos para que eles possam ter esse atendimento de qualidade, porque eles também são cidadãos e seres humanos, que merecem ter esse espaço de escuta e acolhida — finaliza.
Sobre o prêmio
O Prêmio Educador Nota 10 foi criado em 1998 pela Fundação Victor Civita. Nesta edição, teve seus vencedores escolhidos pela Academia de Selecionadores, entre cerca de 2,5 mil inscritos. Além do Rio Grande do Sul, os trabalhos ganhadores representam outros seis Estados brasileiros: Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo. Os 10 selecionados seguem concorrendo ao prêmio Educador do Ano, cujo evento ainda não tem data definida para ocorrer.