Muitas são as razões que podem levar um projeto escolar a ser abandonado. Quase sempre é falta de dinheiro, seja por parte do financiador maior (o governo federal), seja pelo encarregado da contrapartida (Estado ou município).
Outro fator, quase sempre presente, é que muitas empresas vencedoras de licitações não têm capital para sobreviver sem verbas estatais. São construtoras pequenas, que dependem do fluxo de financiamentos. Quando a torneira de verbas é estrangulada, essas empreiteiras quebram.
Mais um motivo pode ser o desvio do dinheiro para outras finalidades ou obras, explicam especialistas que já trabalharam no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ou em entidades dos municípios.
Um caso emblemático acontece em Sapiranga, no Vale do Sinos. A prefeitura fez 15 escolas infantis, e a 16ª seria a Emei Letrinhas Mágicas, na Rua Afonso Lauer, no bairro Centenário. Ela foi projetada para receber 188 alunos de forma integral ou 376 em dois turnos (manhã e tarde), atendendo crianças de zero a cinco anos e 11 meses.
A construção começou em 2016 e está quase finalizada (97,8% construída), com banheiros, salas de aula, cozinha, lavanderia e playground. Mas foi paralisada de vez em janeiro de 2020.
Conforme o secretário municipal de Planejamento de Sapiranga, Maurício Regla, o fluxo de repasses do FNDE foi interrompido algumas vezes até 2017. Como a construtora não possuía capital para esperar o dinheiro, paralisou a obra e o contrato foi rescindido pela prefeitura.
Uma nova empresa foi contratada, via licitação. Ocorreram novos atrasos no fluxo de verbas, que acabaram chegando em 2020, e a segunda empresa declarou falência.
Vazamentos
Nesses dois anos de obra parada, caíram algumas placas do forro, há vazamentos no telhado e a caixa d'água necessita de reformas. Sapiranga quer concluir a obra o quanto antes. A prefeitura ainda não sabe se fará a terceira licitação ou finalizará a escola com recursos próprios.
Até o momento, o investimento municipal foi de R$ 436 mil. O FNDE entrou com R$ 1,7 milhão. Regla foi a Brasília pedir ao fundo nacional licença para terminar com recursos próprios e não ter de devolver verbas já repassadas.
Consultado, o FNDE informou que a interrupção de fluxo de pagamentos foi causada por falta de solicitação de desembolsos da prefeitura. Um problema burocrático, sustenta.
Retomada dificultada por deterioração de prédios
Com relação aos contratos cancelados, o assunto está resolvido: eles não terão continuidade, informa o FNDE. No caso de obras inacabadas ou paralisadas, a direção do fundo, em nota à reportagem, entende que, na maioria dos casos, vale a pena fazer gestão para a retomada de obras inacabadas.
Só que isso, em muitos casos, exige repactuação do contrato. Foi dado prazo até o final de 2021 para essas renegociações, contudo, grande parte dos municípios não aderiu. Até porque a retomada passa também pelas condições do prédio. É o que acontece com sete escolas abandonadas em Porto Alegre. O desejo da secretária municipal de Educação, Janaina Audino, seria concluir parte delas. Só que isso depende de questões de engenharia e da real necessidade de vagas na área onde foram projetadas.
A Secretaria Municipal de Educação (Smed) contratou empresa especializada para elaborar laudos técnicos e orçamento da possível recuperação de cada uma das sete escolas inconclusas. As vistorias incluem ensaios de engenharia, inclusive com extração de provas de concreto. Ainda em fevereiro, o trabalho deverá apontar quais obras estão aptas para retomada.
GZH visitou na semana retrasada duas dessas obras, projetadas para se tornarem as creches Jardim Urubatã (Rua Alcebíades Ribeiro) e Moradas da Hípica (Rua Elvira Dendena), ambas na Hípica (zona sul da Capital). A primeira começou a ser construída em 2013 e a segunda, em 2012. Ambas estão paralisadas.
A deterioração é tamanha que parecem ter sido atingidas por uma guerra. Detritos se acumulam. Ladrões levaram janelas, esquadrias, portas, fios e maçanetas. Buracos proliferam no lugar dos assoalhos. Árvores crescem entre as frestas do cimento.
"Descaso"
A Jardim Urubatã está 27,05% concluída. Tinha investimento previsto de R$ 548 mil, e foram repassados R$ 274 mil pelo FNDE.
A Moradas da Hípica consta como 82,46% executada, teve R$ 1,128 milhão pactuados com o FNDE e recebeu R$ 677 mil. O grau de destruição e abandono dos prédios, para quem observa, torna difícil crer em aproveitamento do que foi construído.
— É descaso. Tantos precisam de escola, começam o prédio e deixam atirado. Eu mesma coloquei um cadeado no portão para os drogados e o pessoal que mora na rua parar roubar — descreve a professora aposentada Dalva Margarida Abreu, que mora ao lado da Jardim Urubatã.
O comerciante aposentado Dirceu da Silva Fraga, 78 anos, salienta que a outra escola, a Moradas da Hípica, faz muita falta para mães que precisam trabalhar e não têm onde deixar os filhos:
— Aí vêm os sem-teto e se instalam, com colchões. Arrombam tudo. Até quando? — questiona.
A Smed analisará se as duas escolas são passíveis de finalização. Caso contrário, a opção da prefeitura será pela compra de vagas nos bairros necessitados. É possível que colégios que começaram a ser construídos numa época hoje não sejam mais necessários (a densidade populacional dos bairros muda e a carência por vagas, também).
— Dentro de um cenário de milhares de obras escolares abandonadas, até que nossa situação não é ruim, com sete prédios não finalizados. Herdamos um problema que passou por dois governos anteriores — afirma Janaína.
A secretária destaca ainda que uma oitava escola paralisada, a Irmãos Maristas, foi concluída na gestão dela, em 2021, em parceria com a Fraport (em compensação por questões relativas ao aeroporto de Porto Alegre).
As sete escolas com obras inacabadas ou paralisadas em Porto Alegre e seu percentual de execução:
- Moradas da Hípica (Emei) - 82,46%
- Clara Nunes - 64,13%
- Raul Cauduro - 60%
- Colinas da Baltazar - 56,04%
- Jardim Leopoldina - 38,17%
- Jardim Urubatã - 27,05%
- Ana Paula - 6,81%