Em um cenário de desafios na área da educação, que ganhou evidência com a pandemia, o Rio Grande do Sul acumula 604 obras com repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) abandonadas há anos, metade delas de iniciativas municipais. Esse montante agrupa construções canceladas, paralisadas e inacabadas, conforme dados extraídos do Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (Simec). O FNDE é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC).
No Brasil, há 8.904 projetos abandonados, sendo que os 604 do RS representam 6,8% do total. Entre os empreendimentos, estão intervenções complexas, como construção de escolas de educação básica e de educação infantil, e de melhorias, como cobertura de quadras e ampliações de espaços das instituições. Problemas com repasses, dificuldades em contratos com construtoras e trocas de gestões estão entre os motivos que ajudam a explicar o cenário.
Colocando uma lupa sobre o levantamento, são 498 obras canceladas (e não iniciadas), 39 paralisadas e 67 inacabadas. Do somatório, 55% é representado por iniciativas municipais. Se contar apenas as paralisadas e inacabadas, esse percentual sobe para cerca de 98%, segundo os dados do Simec.
O montante agrupa, principalmente, obras com convênios assinados entre 2011 e 2015 e soma cerca de R$ 487 milhões em valores pactuados, segundo o FNDE. O órgão destaca que a situação de cada projeto, em sua maioria, é informada pelos governos locais por meio do sistema.
Responsabilidade
O MEC informou, por meio de nota, que a contratação da construtora e a gestão das obras de escolas e de creches são atribuições do respectivo governo local, municipal ou estadual. A pasta reforça que o FNDE é responsável por acompanhar os trabalhos via Simec e pela liberação gradual dos recursos à medida que a obra avança.
A consultora da área de educação da Confederação Nacional de Municípios (CNM) Selma Maquiné afirma que o cenário de obras abandonadas no país preocupa. Em 2017, o órgão fez levantamento sobre projetos parados no âmbito do programa Proinfância, conversou com gestores municipais e o FNDE abriu, no ano seguinte, a possibilidade de assinatura de novos termos de compromisso para Estados e municípios. Selma diz que a pandemia acabou impactando na possibilidade de repactuação e de retomada de algumas obras:
– O que aconteceu em 2020? Tivemos muitos municípios com problemas de obras paralisadas, principalmente porque o próprio FNDE não tinha gente suficiente e nem podia fazer visitas técnicas para avaliar o andamento.
Uma das construções que entra no levantamento está em Guaíba, na Região Metropolitana. A construção da Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) de Pedras Brancas, que faz parte do Proinfância, segue paralisada após idas e vindas com rescisões de contratos entre a prefeitura e construtoras e dificuldade de repasses.
Segundo o Simec, já foram investidos R$ 753,8 mil do R$ 1,5 milhão pactuado para o empreendimento, que aparece com 56% de execução. Quem passa no local depara com um cenário precário, com estruturas parcialmente levantadas, mal conservadas em meio ao mato e ao lixo. A atual gestão do município informou que está analisando o processo de cada unidade Proinfância na cidade e que tem a "intenção de retomar as obras a partir de nova licitação, buscando a conclusão e atender a demanda existente na educação infantil".
Em Porto Alegre, a obra da Instituição de Educação Infantil Comunitária (Ieic) Clara Nunes, com capacidade para 120 alunos, está entre as citadas como inacabadas no relatório do MEC. Até agora, já foram investidos R$ 976 mil no local, que segue parcialmente construído, mas com sinais de abandono. A prefeitura da Capital diz que ela está entre as sete obras com previsão de finalização em parceria com a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura. O Executivo destaca que não é possível estabelecer prazo para a retomada em razão dos trâmites necessários.
E as soluções recomendadas?
A consultora da área de educação da Confederação Nacional de Municípios (CNM) Selma Maquiné diz que a entidade pretende elaborar novo estudo sobre obras abandonadas e se reunir com prefeitos para discutir a possibilidade de repactuação. Isso seria uma das soluções para tentar retomar esses empreendimentos. Selma destaca que a necessidade de recomeçar os trabalhos depende da avaliação de cada caso:
– Os gestores têm de dizer se querem repactuar, se é de interesse do município, analisando a situação de cada obra. Cada município tem de avaliar a sua situação, porque é bem diferenciada. Inclusive os estágios, o que já foi feito, o que não foi feito, as razões que contribuíram para que a obra fosse paralisada ou nem iniciada.
Um caminho é repassar para as escolas a verba e elas realizarem algumas das obras. Dar mais automonia aos diretores, a equipe escolar, pois são os maiores envolvidos no processo.
GABRIEL GRABOWSKI
Professor da Universidade Feevale e membro do Conselho Estadual de Educação
Para o professor da Universidade Feevale e membro do Conselho Estadual de Educação, Gabriel Grabowski, uma das alternativas que pode ajudar a evitar problemas semelhantes é a descentralização da gestão sobre as obras e oferecer mais autonomia às instituições durante o processo:
– Um caminho é repassar para as escolas a verba e elas realizarem algumas das obras. Dar mais automonia aos diretores, a equipe escolar, pois são os maiores envolvidos no processo. Com as empresas da região, a própria instituição poderia ajudar a acelerar as questões. Atualmente, isso acontece, mas com valores menores, para alguns reparos, por exemplo.
Outra possibilidade, conforme o professor, é avaliar redirecionamento de recursos poupados por governos estadual e municipal no período que as escolas estiveram fechadas em razão da pandemia, e utilizá-los nos espaços de ensino.
Para a professora da área de Politica e Gestão da Educação da UFRGS, Maria Beatriz Luce, outro caminho é o maior envolvimento no processo por parte da administração municipal de cada local.
– Acho positivo que as prefeituras se envolvam mais, até mais do que o Estado, porque é a gestão da cidade que está mais próxima daquela instituição, daquela comunidade – afirma.
O MEC diz que obras inacabadas podem ser finalizadas com recursos de municípios ou Estados. Sobre projetos paralisados, o retorno dos trabalhos depende de "ações do entes federados que visem a retomada da execução". No caso de obras canceladas, os Executivos locais devem entrar com novo pleito no FNDE para tentar recursos.
Números no RS
Obras com recurso do FNDE no RS*
- Concluídas - 1.022
- Em execução - 133
- Em reformulação - 14
- Em licitação - 18
- Em planejamento - 19
- Em contratação - 12
- Canceladas - 498
- Paralisadas - 39
- Inacabadas - 67
*Dados de sexta-feira, 16 de abril
Obras canceladas, inacabadas e paralisadas
Obras canceladas são aquelas em que a execução física da obra não foi iniciada e que a vigência do termo de compromisso (TC) expirou. No Rio Grande do Sul, também existem obras que foram canceladas em razão de resolução do governo federal que determinou o cancelamento de todas as obras não iniciadas ainda em 2018
Obras inacabadas são empreendimentos que iniciaram execução física, mas não foram concluídos dentro do prazo
Obras paralisadas ocorrem quando a gestão do contrato estabelecido entre os governos e as empresas executoras sofre algum problema