Na tentativa de neutralizar as críticas e aprovar ainda este semestre o homeschooling, o Ministério da Educação (MEC) elaborou um novo texto para o projeto de lei que autoriza a modalidade no país. O substitutivo, ao qual o Estadão teve acesso, tem regras mais rígidas que a proposta anterior do próprio governo Bolsonaro, mas ainda consideradas insuficientes por especialistas. Alunos que estudam em casa seriam submetidos a avaliações trimestrais e os pais teriam de "assegurar a convivência comunitária" das crianças, mas não fica claro como isso seria fiscalizado.
Educadores têm insistido que o ensino domiciliar não deveria ser prioridade em um momento de pandemia, com escolas fechadas e necessidade de ensino híbrido. Em audiência pública nesta semana na Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, se disse "totalmente favorável" ao homeschooling e afirmou que a única razão para o país não adotá-lo é "politizar o tema".
O substitutivo ao projeto de Lei 2.401, de 2019, foi elaborado pelo MEC e pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Diz que o homeschooling deve ter "como base os conteúdos curriculares mínimos referentes ao ano escolar". O projeto anterior mencionava só que a "educação domiciliar visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". No entanto, o novo texto não cita a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017 no país, que dá as diretrizes do que os alunos devem aprender em cada série.
O texto inclui também que um dos pais deve ter cursado ou estar cursando Ensino Superior. E ainda que instituições de ensino precisam se credenciar para se tornarem responsáveis por avaliar os estudantes que estão em casa. Ambas as exigências não estavam na proposta anterior. Mas não é possível saber quais instituições seriam essas, particulares ou públicas.
Segundo o Estadão apurou, há grande pressão do governo para colocar a pauta em votação rapidamente e alguns deputados ligados à educação decidiram tentar ao menos colocar limites para o homeschooling. Entre eles, um acompanhamento mensal dos alunos, a exigência de os conteúdos ensinados pelos pais seguirem a BNCC e do responsável ter concluído o Ensino Superior. Há ainda a preocupação de se garantir que as crianças tenham uma convivência social e como isso seria acompanhado.
A relatora do projeto é a deputada Luisa Canziani (PTB-PR), considerada moderada e que circula bem entre educadores e governo. Ela pretende analisar os sete projetos de lei que existem na Câmara sobre o assunto e o substitutivo do governo para apresentar um novo texto em três semanas.
Como vivem na clandestinidade, uma vez que hoje a matrícula na escola é obrigatória por lei a partir dos quatro anos, é impossível saber o número correto de famílias que praticam o homeschooling. Segundo o ministro Ribeiro, são 35 mil. Mas outras estimativas falam em 7 mil, muitas delas evangélicas e católicas.
— O que nós queremos é dar escolha para as famílias no que elas entendem ser melhor para seus filhos — disse Ribeiro na audiência, em que contou também que suas filhas foram alfabetizadas pela sua sogra.
A presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães de Castro, acredita que o período de isolamento mostrou a dificuldade que as famílias têm em ensinar seus filhos em casa. Ela lembra ainda que a escola ajuda a acompanhar se há comportamento de risco, com violências ou abusos das crianças:
— Precisamos priorizar a melhoria da educação brasileira, a reabertura das escolas, as medidas mitigadoras da perda de aprendizagem, o combate à evasão.
Para o presidente do conselho de secretários de educação estaduais (Consed) e secretário do Espírito Santo, Vitor De Angelo, por trás da defesa do homeschooling "há uma crítica ao papel da escola e uma deslegitimação do profissional da educação". Gestores questionam ainda como Estados e municípios farão o acompanhamento desses alunos e com qual orçamento.
— O homeschooling é extremamente deletério para a educação básica — diz o líder de relações governamentais do Todos pela Educação, Lucas Hoogerbrugge.
Para ele, a aprovação do projeto põe em risco "milhões de crianças que hoje têm obrigação de ir para escola e para quem o Estado tem o papel de prover educação de qualidade".