O sonho de ter uma formação como comissário de voo se tornou realidade para os 10 alunos da primeira turma do projeto Pretos que Voam, uma iniciativa social do coletivo Quilombo Aéreo, que tem como objetivo aumentar a presença de profissionais negros na área. A formatura não podia ter sido em data mais marcante: no Dia da Consciência Negra. A cerimônia ocorreu na Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora, no bairro Lomba do Pinheiro, na Capital.
Durante nove meses, os alunos participaram do curso de aviação e de um minicurso de língua estrangeira. Além disso, tiveram os valores dos uniformes e da taxa das provas junto à Agência de Aviação Civil (Anac) totalmente pagos. Uma das idealizadoras do projeto, Kenia Aquino, 36 anos, moradora do bairro Partenon, diz que a procura surpreendeu a equipe: foram mais de 200 inscritos. Além disso, o projeto foi procurado por pessoas de outros Estados, como Bahia, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro.
– Quando o idealizamos, pensávamos que seria possível termos os 10 alunos. Mas jamais pensamos que a repercussão seria tão grande – conta Kenia.
O projeto contou com o apoio da Associação de Afroempreendedores do Estado (Odabá). As psicólogas Camila Crescêncio da Rosa e Maiara Medeiros foram as responsáveis pela seleção. Com experiência de mais de 10 anos em Recursos Humanos, Camila explica que o processo foi desenvolvido por uma equipe que fez questão de pensar em estratégias para atingir o público certo.
Foram diversas etapas em que a realidade social dos interessados foi levada em consideração. Ela conta que o desafio começou em informar jovens periféricos sobre o projeto. Para isso, além das redes sociais, as selecionadoras atuaram em conjunto com líderes comunitários:
– Tivemos o cuidado para que o projeto, de fato, atendesse um público em vulnerabilidade social e que fosse negro.
Apesar de não estar previsto no edital, alguns dos jovens que participaram das últimas etapas da seleção tiveram acesso a mentorias curtas e gratuitas para aprimorar o currículo e saber como se destacar em entrevistas de emprego.
– Nós sentíamos que tínhamos uma responsabilidade mesmo com os que não foram selecionados – explica Camila.
Além da condição social e racial, as selecionadoras observaram a questão familiar dos inscritos para que o projeto fosse realmente um instrumentos de transformação. E a atuação das psicólogas não se encerrou ao fim do processo seletivo. Elas auxiliaram os alunos durante a entrega da documentação e ao longo do curso.
“Sou o primeiro da família a ter uma formação”
Um dos selecionados foi Dhionatan Nascimento da Cunha, 20 anos, morador do bairro Feitoria, em São Leopoldo. Para ele, o principal desafio foi dar conta da rotina de estudos e trabalho. Durante a formação, o jovem saía de casa às 5h e retornava sempre após a meia-noite. Além disso, a rotina agitada fez com que ele perdesse 10 quilos já no primeiro mês.
Dhionatan soube do curso por uma amiga que atua na área. Apesar de a formação ser uma vontade antiga, a questão financeira sempre fez com que o sonho fosse adiado.
– Eu sabia que era um curso com alto investimento. Além disso, o fato de não ver tantos negros nessa área me aborrecia. Mas agora estamos aí – comemora.
Dhionatan conta que não acreditou quando soube que era um dos selecionados e, apesar da dificuldades das aulas, não se arrepende de tudo que precisou viver para finalizar o curso. Agora, o objetivo é continuar estudando idiomas e participar de processos seletivos para ingressar em uma companhia aérea.
Uma das idealizadoras do projeto, Kenia explica que o principal desafio do projeto segue sendo o racismo estrutural presente na sociedade. Segundo ela, até hoje a iniciativa recebe críticas pelo foco na formação de profissionais negros, o que não mudou a forma dela e da parceira de projeto, Laiara Amorim Borges, pensarem.
Nesta semana, elas lançaram a campanha que financiará a próxima turma. Até o dia 15 de dezembro, pretendem arrecadar R$ 90 mil. E as novidades não param. Agora, elas trabalham para criar uma escola pioneira em aviação afrocentrada no país.
– Será a primeira com essa temática no Brasil – antecipa Kenia.
Na segunda-feira passada, pós-formatura, a partir de uma parceria com a Central Única das Favelas (Cufa), os alunos visitaram a sede da Gol, em São Paulo. As passagens áreas e a alimentação foram pagas pela companhia aérea.
Confira como ajudar o projeto:
- Mais informações sobre o projeto no site quilomboaereo.com.br
- Doe a partir de R$ 15 até 15 de dezembro em benfeitoria.com/pretosquevoam
Produção: Kênia Fialho