Por Wagner Machado
Jornalista, doutorando em Comunicação na PUCRS com pesquisa sobre a presença de docentes pretos e pardos nos cursos superiores
* O escritor e colunista de GZH Jeferson Tenório foi consultor desta e de outras pautas relacionadas à Semana da Consciência Negra.
A crescente e necessária demanda por políticas antirracistas poderia estimular os gestores a reformular currículos e incluir mais negros no corpo docente das universidades gaúchas. No entanto, mesmo com o avanço das ações afirmativas, que oportunizaram o aumento do número de discentes pretos e pardos nas instituições de Ensino Superior, fica a reflexão: quantos professores negros você teve durante a graduação? A resposta, sem medo de errar, é que foram poucos, talvez nenhum, e o motivo, embora possam relativizar, é o racismo institucional e estrutural.
De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 392.036 mil pessoas dão aulas em universidades públicas e particulares do Brasil, mas só 62.239 mil são negras, ou seja 16% do total. No país com maior número de pretos e pardos fora do continente africano, onde 56,2% da população se autodeclara negra, a mesma pesquisa revela que, além de continuarem sendo minoria entre os professores universitários, a representatividade racial diminui à medida que o grau de escolaridade desses docentes aumenta. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD-Contínua), os grupos de pardos e pretos no Estado representam 18,2%. A chance de um profissional negro com doutorado, que é a titulação acadêmica máxima, conseguir ministrar aulas é menor se comparada às outras etnias.
A docência nas universidades brasileiras ainda é uma profissão exercida, majoritariamente, por pessoas brancas. Baseado no fenótipo (cabelo, nariz, cor da pele e boca), por exemplo, há somente 20 professores negros que atuam nos cursos superiores de Comunicação no Rio Grande do Sul. Ou seja, dos 754 docentes, 2,65% são pretos e pardos. Ao contrário das faculdades e dos centros educacionais, as universidades precisam ter, no mínimo, um terço do corpo docente com mestres e doutores e, pelo menos, um terço trabalhando com dedicação exclusiva. Diante disso, a pequena concentração de professores negros está em instituições que não são universidades, as quais têm menor exigência de qualificação e a remuneração da hora-aula é reduzida.
A hipótese de haver poucos não brancos com titulação máxima não justifica a pouca presença nesses espaços. Ocorre que a formação de profissionais negros com doutorado, ainda que tenha uma proporção bem menor do que as outras etnias, existe e é crescente. Por exemplo, entre 2015 e 2020, no período pós-implementação das cotas e do Programa Universidade Para Todos (ProUni), 400 pessoas iniciaram o doutoramento em Comunicação nos quatro programas existentes no Rio Grande do Sul. Desse montante, 30 são negras, o que corresponde a 7,5% dos discentes. Porém, dificilmente o mercado absorverá esses profissionais.
A história relatada nos livros não conta que povo negro conseguiu ser libertado da escravização, mas foi conduzido às periferias da sociedade, impulsionando o processo de marginalização que hoje resulta nos graves índices registrados no país. O povo negro tem mais chances de ser assassinado, é maioria no sistema carcerário, tem remuneração menor e menos acesso a serviços de saúde e educação do que o branco. As políticas eugenistas que tentaram embranquecer a população com o intuito de minimizar a presença negra no país também contribuíram para a invisibilidade na Educação Básica e no Ensino Superior. O resultado é o racismo estrutural – termo usado para descrever sociedades alicerçadas no privilégio de algumas raças em detrimento das outras. Em resumo: quanto mais a pele de um profissional for clara, maior a tendência de ascensão.
Em razão da invisibilidade dos negros na docência, muitas vezes as referências são apresentadas aos alunos a partir do olhar eurocêntrico. Portanto, torna-se urgente terminar com o epistemicídio acadêmico, que resulta na anulação, na desqualificação do conhecimento dos povos subjugados, na inferiorização intelectual e na deslegitimação do negro. O racismo institucional ocorre com o estabelecimento de parâmetros discriminatórios baseados na raça, que servem para manter a hegemonia de um grupo racial no poder. Em consequência disso, a cultura, os padrões estéticos e as práticas seguem sendo reproduzidas e se tornam referência.
Por tudo isso, é tempo de efetivar as cotas, descolonizar o ensino, ampliar a educação antirracista, promover a diversidade nos cargos de comando e, sobretudo, parar de negar a existência do racismo e usar a branquitude como fator de mudança. Minimizar os efeitos do preconceito e da discriminação é um desserviço à sociedade, uma vez que o negro quase sempre esteve associado a uma narrativa de marginalização por conta da escravização e da subalternização. Por óbvio, o período de recessão econômica dificulta a contratação de profissionais, mas isso não pode ser usado como desculpa eterna. Se até hoje a negritude esteve associada à vulnerabilidade, que possa também ter conexão com histórico de luta e resistência.