* O escritor e colunista de GZH Jeferson Tenório foi consultor desta e de outras pautas relacionadas à Semana da Consciência Negra.
Com a Lei de Cotas e a crescente presença de alunos negros nas universidades, aos poucos as discussões internas nessas instituições, o que inclui os currículos dos cursos superiores, vão absorvendo as questões de diversidade racial (leia mais sobre isso na primeira parte desta reportagem).
A percepção do estudante de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Wellington Porto, 23 anos, por exemplo, é de que o debate sobre questões étnicas tem ganhado força nos últimos anos na instituição, embora ainda precise evoluir:
– Temos apoio de muitos professores, mas mudar o currículo de um curso fere muitos deles, que se sentem atacados, acham que a mudança não precisa ser agora, e o processo nunca se inicia. Estou me formando para ser professor e acho que o grande déficit, hoje, é na formação dos professores em uma educação antirracista.
Alan Alves de Brito, professor de Física e coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros, Indígenas e Africanos (Neab) da UFRGS, revela uma realidade em que o ingresso de pessoas negras na pós-graduação ainda é um desafio, bem como a ampliação da diversidade de professores – há menos de 1% de docentes negros na instituição.
– Se não pensarmos nisso, vamos fazer valer o “efeito tesoura”: as pessoas negras entram na graduação, mas são cortadas ao longo da carreira acadêmica. No mestrado, doutorado, pós-doutorado, a representatividade vai diminuindo de forma assustadora – comenta o coordenador do Neab.
Na pós-graduação, segundo balanço de 2019 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), 29% dos alunos eram pretos ou pardos, em uma realidade de 56% da população negra. Brito aposta na ampliação desse percentual para, com o tempo, aumentar também a presença de negros entre os professores. Hoje, há um grupo de trabalho sobre o assunto na UFRGS. A expectativa é de que uma resolução a respeito seja criada em alguns meses e padronize a oferta das vagas, que varia em cada unidade acadêmica. Para a entrada de servidores, já há reserva de 20% das vagas para pretos e pardos. Nos últimos concursos da UFRGS, entre 2016 e 2018, entraram 110 servidores técnicos e oito docentes negros.
– Já muda muito o mundo laboral. Trabalho na UFRGS há 36 anos, e, na última década, foram criados coletivos negros, instrumentos de pressão política. Isso qualificou a universidade e gerou ativo econômico para o povo negro – diz Edilson Nabarro, coordenador de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas da UFRGS.
O debate sobre como manter os negros nas pós-graduações também existe na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) . Lá, ainda não há reserva de vagas, mas a intenção é de que os próximos editais de seleção incluam cotas. Na nomeação de professores, porém, a pró-reitora Mônica afirma que a reserva é mais desafiadora, já que as seleções costumam prever poucas vagas, e para áreas específicas.