Salman Khan, ou simplesmente Sal Khan, 44 anos, é um dos maiores fenômenos midiáticos ligados à educação destes tempos em que termos como “inclusão digital” e “ensino a distância” se tornaram familiares nas reflexões sobre os processos de aprendizagem. Descendente de bengalis (o pai é de Bangladesh, e a mãe, da Índia) nascido em New Orleans (EUA), ele trabalhava como analista do mercado financeiro até 2009, quando passou a se dedicar exclusivamente às videoaulas que, um pouco antes, deram origem à Khan Academy, uma plataforma online de educação livre e organização sem fins lucrativos.
Formação não lhe falta: Khan tem bacharelado em Matemática, Engenharia Elétrica e Ciências da Computação, esta última a área na qual obteve o primeiro mestrado (no prestigiado MIT, em Cambridge) – depois cursou um MBA em Harvard (na mesma localidade dos arredores de Boston). Foi de sua própria casa, no entanto, que ele começou a produzir os vídeos nas áreas de matemática e ciências que, hoje, já foram vistos mais de 250 milhões de vezes.
Começou quando ajudava seus primos mais jovens que tinham dificuldades em matemática (eles estavam em New Orleans, e ele, em Boston). Khan chegou a criar um software com exercícios, mas acabou optando por gravar lições e disponibilizá-las no YouTube, assim poderia deixá-las registradas para consulta. Outros parentes também assistiram e gostaram. Em um mês, chegaram e-mails de agradecimento de pessoas desconhecidas. Até que o contador de visualizações disparou.
A Khan Academy foi expandida para outras disciplinas, da biologia às finanças, abordadas sempre a partir de aulas curtas, sobre temas bem específicos. Entre seus fãs há brasileiros e celebridades mundiais – como Bill Gates, um fã declarado dos vídeos, que disse assistir com os filhos. Com a pandemia, a procura pelos conteúdos da academia aumentou ainda mais, o que tem feito o educador a falar publicamente, cada vez mais, sobre o ensino nestes tempos de transformação.
Além de contar sua própria experiência empreendedora, Khan palestrou na última terça-feira (13/4), no 34º Fórum da Liberdade, realizado remotamente, sobre o desafio das ferramentas digitais na educação, sobretudo no período pós-coronavírus. A entrevista a seguir ele enviou pouco antes do evento, diretamente de Mountain View (Califórnia), onde vive com a mulher e seus três filhos. As perguntas foram elaboradas em conjunto por GZH e a assessoria de imprensa do Fórum e respondidas em mensagens de áudio.
Muitas escolas não estavam preparadas para o ensino remoto forçado pela pandemia. Qual o tamanho do prejuízo da transição às pressas?
Não sabemos ao certo, ainda. Tradicionalmente ocorre um esquecimento, uma perda do material aprendido durante o ano quando os alunos entram em férias, e o que sentimos agora é a sensação do mesmo tipo de perda, porém maior, mais amplo. Aqui nos EUA estudos indicam perdas entre 5% e 10% maiores no período, mas não há um padrão: estudantes com bom suporte familiar e boa internet sequer entram nessa estatística, pois ao terem atenção personalizada podem inclusive melhorar seus desempenhos. Então temos de pensar nos 5% a 10% como média, o que significa que aqueles que não têm as melhores condições de estudo em casa devem acumular perdas bem mais significativas. Além disso, temos de levar em consideração os estudantes que nem entram no radar desses estudos, aqueles que simplesmente não acompanham mais as aulas porque não têm condições de fazê-lo a distância, por falta de recursos. Ou seja, podemos trabalhar com uma ideia de perda de conteúdos aprendidos de 20% a 30% superior à que normalmente se tem, no mínimo isso. O impacto da pandemia no ensino será muito, muito forte. Quando tudo isso passar, teremos de lidar com esse verdadeiro desastre, trabalhando para recuperar essa perda.
A pandemia tende a aumentar a distância da qualidade de ensino entre ricos e pobres?
Infelizmente sim, em um grau que ainda não sabemos qual é. Todavia, se no curto prazo essa distância deve aumentar, o trabalho de aproximação desses polos, no longo prazo, pode não ser afetado. Mas, para isso, é preciso dar condições de acesso ao conhecimento aos alunos que não as têm, com internet e equipamentos bons, com estrutura adequada de aprendizado remoto. Sem isso não conseguiremos vislumbrar uma aproximação.
Podemos trabalhar com uma ideia de perda de conteúdos aprendidos de 20% a 30% superior à que normalmente se tem, no mínimo isso. O impacto da pandemia no ensino será muito, muito forte. Quando tudo isso passar, teremos de lidar com esse verdadeiro desastre, trabalhando para recuperar essa perda.
Por que há muitos pais e estudantes insatisfeitos com o ensino online?
Pensando de maneira ampla e global, é difícil dizer que a educação a distância é boa ou ruim. A pandemia forçou a implementação das aulas online para todos como único recurso, e isso foi feito sem tempo de planejamento e elaboração de didática apropriada, além do fato de que a mudança abrupta incluiu ainda a total exclusão da socialização associada à ida à escola. Assim, muitas experiências ficam ruins. Mas temos visto outras boas, com professores conseguindo que os alunos participem e aprendam, tendo absorção de conteúdo associado àquele aprendizado emocional que costuma vir com a socialização. As aulas com presença física também são assim: há as experiências boas e as ruins. Temos de aproveitar o que dá certo em cada um dos casos. Entendo que todos estejam cansados de ficar em um mesmo ambiente sempre, de não ter interações sociais, mas isso não significa que o ensino a distância é ruim; o que é ruim é a pandemia. E o que é bom é dinamizar o aprendizado usando o que cada modalidade tem de positivo.
O ensino online já é tão eficiente quanto o presencial para crianças e adolescentes?
Depende. Com boas condições, pode ser, sim. O modo online te poupa de perder tempo em transporte, te possibilita assistir às aulas em instituições que ficam a muitos quilômetros de sua casa. Mas, na educação remota, é muito mais difícil entender as emoções e a própria evolução de um aluno. No vídeo, as interações são limitadas. Fora que as condições de acesso, como eu disse, precisam ser boas. De novo: defendo que se use o que cada modalidade oferece de melhor.
O senhor considera viável pensar em escolas 100% online por um prazo mais longo?
A interação física é fundamental, ainda mais em se tratando dos estudantes mais jovens, das crianças. Indo à escola a gente aprende a socializar, a entender o outro e a nós mesmos, a nossa identidade e a dos outros. Isso é fundamental. Não concordo, portanto, que um sistema de ensino 100% a distância seja adequado a longo prazo. Prefiro pensar em aulas online incorporadas a um sistema misto que inclua também a presença física e tudo o que ela agrega ao processo de aprendizagem.
Indo à escola a gente aprende a socializar, a entender o outro e a nós mesmos, a nossa identidade e a dos outros. Isso é fundamental. Não concordo, portanto, que um sistema de ensino 100% a distância seja adequado a longo prazo. Prefiro pensar em aulas online incorporadas a um sistema misto.
Como compensar a perda de convivência entre os jovens com um formato de educação de prevalência online?
Neste momento, acredito que seja possível marcar encontros entre os estudantes, por exemplo, em ambiente externo, todos de máscara, com os cuidados necessários. Tenho feito isso com meus filhos e seus amigos, os mais próximos, duas ou três famílias. Essa socialização é importante para as crianças e deve ser feita com a segurança, não podemos abandoná-la ou condicioná-la à volta às aulas físicas. Neste momento, o desafio é deixar os estudantes emocionalmente saudáveis. Só assim eles vão evoluir bem no aprendizado.
Na pandemia, algumas escolas restringem a participação dos alunos, pedindo-os para desligarem os vídeos e não interromperem o professor. Isso é um erro?
Sim. Se for para fazer isso, é melhor enviar um vídeo aos alunos. Indo além: se um vídeo resolve uma aula, por que não o mesmo vídeo para todos, no mundo todo? É claro que não vai funcionar. São fundamentais, no processo de aprendizado, as interações, a sensação de entender junto, a cooperação coletiva. Em uma aula, o professor tem de perguntar se os alunos estão acompanhando, sentir se isso está acontecendo. Quanto mais participativo o ensino, melhor.
Os vídeos da Khan Academy tem muitos elementos gráficos para reforçar o aprendizado. Quais são as próximas fronteiras tecnológicas para esse tipo de ensino?
O que é interessante é que os vídeos são o que podemos chamar de low tech: estão aí há décadas. Mas isso não quer dizer que determinado tipo de vídeo não possa oferecer uma experiência inovadora. Podemos usar tecnologias já consolidadas para pensar em novos modos de passar conhecimento. Na Khan Academy pensamos nos vídeos curtos, sob demanda, como elementos iniciais do processo – melhor do que um vídeo gigante de alguém falando é algo rápido, que nos permita ver logo se o estudante está acompanhando. Oferecemos outros recursos depois, vários deles práticos. É importante a interação, trocar informações, escrever sobre o que se viu ou mesmo fazer um novo vídeo como uma resposta. Por que não encorajar crianças a gravarem seus vídeos explicando o que estão aprendendo? Essa é uma fronteira tecnológica interessante: alunos submetendo vídeos à comunidade escolar para acompanhamento coletivo do aprendizado. Há inúmeras possibilidades oferecidas pelas tecnologias, ainda que não sejam novas, caso dos vídeos.
As pessoas que serão bem-sucedidas no mercado de trabalho são as que vão além da graduação. E as escolas precisam entender que seus alunos devem ser independentes, devem ser estimulados a construir seus próprios caminhos. A habilidade mais importante que temos e que a escola deve desenvolver é a capacidade de aprender.
As videoaulas da Khan Academy são muito mais curtas do que costumam ser as aulas no ensino presencial. Por quê?
Ainda que as nossas videoaulas e uma aula presencial sejam difíceis de comparar, acredito, sim, que os seres humanos, em qualquer idade, conseguem manter o mesmo nível de atenção por períodos não muito superiores a 15 minutos. Pode-se até voltar à atenção logo depois, mas não sem um intervalo. As aulas presenciais, por isso, precisam ser dinâmicas, até porque não vamos fazer os alunos se deslocarem para ficar nela 15 minutos. Já os vídeos têm nesse formato curto o seu ideal. Inclusive porque eles podem ser revistos, compartilhados, discutidos.
O senhor tem três bacharelados, além de mestrado e MBA. A diversificação do aprendizado tende a ser uma exigência no mercado do futuro?
Parece-me claro que as pessoas que serão bem-sucedidas no mercado de trabalho são as que vão além da graduação. O curso no qual se formaram dá habilidades básicas, mas, para serem eficientes, as pessoas precisarão aprender sozinhas, descobrir novos conhecimentos por si próprias. Porque as possibilidades são cada vez mais diversas em termos de pós-graduações, de ensino a distância, de leituras interdisciplinares. As pessoas devem seguir se desenvolvendo sempre. E as escolas precisam entender que seus alunos devem ser independentes, devem ser estimulados a construir seus próprios caminhos, não necessariamente iguais aos dos seus colegas. A habilidade mais importante que temos e que a escola deve desenvolver é a capacidade de aprender. A escola precisa levar o estudante a conhecer a si próprio e as suas próprias capacidades, e a partir daí dar-lhe condições para desenvolvê-las. As conexões da internet oferecem um mundo de possiblidades, nesse mundo cada um traça o seu caminho conforme suas particularidades – que não são iguais às dos outros.