A possibilidade de que o presidente Jair Bolsonaro escolha a chapa que ficou em terceiro lugar na consulta acadêmica para o comando da reitoria na gestão 2020-2024 causa alvoroço entre alunos, servidores e docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Menos votado e mais alinhado com o Planalto, o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) Carlos André Bulhões Mendes conta com o apoio do deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS), que atua como interlocutor junto ao governo pela indicação.
Bolsonaro tem a prerrogativa legal de optar por qualquer uma das três chapas que integram a lista. A aceitação da chapa vencedora da consulta pelo governo, entretanto, costuma ser vista como um sinal de respeito à autonomia da universidade. Desde a redemocratização, apenas em uma oportunidade o nome mais votado pela universidade não foi aceito, em 1988, quando existia uma lista sêxtupla. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, indicou nesta quinta-feira (20) que não será surpresa a opção por Bulhões:
— Ouvi falar dessa hipótese e acho que pode ocorrer, pois o presidente tem liberdade para escolher qualquer um da lista.
O Ministério da Educação (MEC) já começou a análise técnica da lista tríplice. De acordo com a assessoria da pasta, após essa fase, será encaminhado um relatório para o presidente, que, então, definirá o nome.
Após uma campanha acirrada, os atuais reitor e vice-reitora, Rui Oppermann e Jane Tutikian (chapa 2), foram indicados, por parte da universidade, para seguirem nos cargos. A lista tríplice com os nomes enviados ao Ministério da Educação foi definida em eleição do Conselho Universitário (Consun) em 17 de julho, ocasião em que Oppermann e Tutikian receberam 45 dos 77 votos dos conselheiros. A chapa também foi vencedora junto à comunidade em consulta realizada no dia 13 de julho. No Consun, a chapa 3 (Karla Maria Müller e Claudia Wasserman) ficou em segundo lugar, com 29 votos, e a chapa 1 (Carlos André Bulhões Mendes e Patrícia Helena Lucas Pranke), em terceiro lugar, tendo recebido três votos.
Na consulta à comunidade acadêmica, a chapa de Oppermann obteve 0,387688 de índice. Em segundo lugar, ficaram Karla Maria Müller e Claudia Wasserman (chapa 3), com 0,251304. A chapa de Bulhões e de Patrícia Helena Lucas Pranke (chapa 1) atingiu 0,120896 de índice. Esses resultados são definidos a partir de uma fórmula que prevê que os votos do conjunto de professores têm peso 0,7, enquanto os dos técnicos-administrativos e dos alunos têm peso 0,15, para um total de 1 (veja, abaixo, como foi a votação das chapas). Terminada a votação, o Consun formaliza o resultado e encaminha para o MEC.
O deputado Bibo Nunes revela já ter conversado com Bolsonaro e com o ministro Milton Ribeiro sobre o assunto.
— Eu sugeri o Bulhões para o presidente e para o ministro, ele é um reitor de alto nível e competência. Eles me disseram que ele tem grandes possibilidades — garante.
Questionado sobre Bulhões ter sido o terceiro mais votado, Bibo afirma que a consulta leva a uma indicação:
— A lista tríplice é para escolher um dos três. Não é eleição, é indicação. Não tem isso de ter que ser o primeiro.
Procurado, o Palácio do Planalto informou que a análise está com o MEC.
Rui Oppermann afirma esperar que MEC e Bolsonaro façam a escolha baseados na atuação dos professores, e não em "agressões mentirosas e atitudes estranhas ao ambiente democrático".
— Somos professores, pesquisadores e gestores públicos comprometidos com uma universidade plural e inovadora, temos hoje a melhor universidade federal do país, de acordo com o MEC, voltada para a interação com toda a sociedade, sem ideologias político-partidárias, promovendo a inovação e o empreendedorismo. Temos a expectativa de que o primeiro da lista seja o escolhido — diz Oppermann.
Bulhões argumenta que todos os candidatos, ao disponibilizarem seus nomes para a Consulta Acadêmica, assinaram documento aceitando e se comprometendo com todas as regras previstas na escolha da nova reitoria:
— A indicação do presidente é uma etapa legal desse processo e deve ser entendida e respeitada como tal. De acordo com a legislação que rege a escolha da nova reitoria, qualquer uma das três chapas sugeridas pelo Conselho Universitário ao governo federal tem total legitimidade para receber a indicação presidencial e assumir a gestão da UFRGS. Em respeito ao processo e aos compromissos firmados, aceitaria com muito orgulho esse desafio.
Críticas ao processo eleitoral e defesa do resultado
Para Karla Maria Müller, candidata que ficou na segunda colocação, a decisão da comunidade acadêmica deve ser soberana. Ainda assim, ela critica o processo de escolha.
— Não é uma escolha democrática, o peso é bastante diferente. Mas é um preço que a UFRGS paga por manter esse sistema. Estamos vivendo um impasse bastante grande, e isso é responsabilidade da falta de discussão nesse sentido. É do jogo sermos os mais votados, mas não os referendados pelo Consun. Ainda assim, vamos respeitar a decisão — afirma.
Presidente da Adufrgs-Sindical, que representa os professores da universidade, Lúcio Vieira defende que o processo interno da universidade seja validado:
— Entendemos que qualquer outro candidato não terá a legitimidade necessária para conduzir esta que é uma das mais importantes universidades federais do país. É necessário apaziguar a educação no país, e esperamos que o MEC assuma esse compromisso.
Vieira defende uma ampla discussão sobre a autonomia das universidades para que essa questão seja definitivamente resolvida, sem que fique na dependência de uma escolha fora do âmbito da universidade.
Para os representantes dos estudantes, todo o processo de consulta deve ser revisto. Integrante do Diretório Central de Estudantes (DCE), Ana Paula Santos argumenta que os alunos são a maior parte da universidade e, em sua maioria, escolheram uma chapa (a de Karla Müller) que representa um projeto diferente daquele priorizado pelo governo:
— Achamos totalmente antidemocrático que uma chapa com 4 mil votos a menos do que a ficou em primeiro lugar seja quem irá conduzir a universidade no próximo período. Pra nós, o certo seria um sistema paritário, onde quem tenha mais voto nos segmentos seja quem vai conduzir a UFRGS. Mas não poderemos admitir que o Bolsonaro indique o reitor da UFRGS que esteja fora do próprio processo de escolha. Assim como outras universidades do Brasil, não aceitaremos um interventor.
GaúchaZH também contatou a Assufrgs, que representa os técnicos administrativos ligados à universidade, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
O resultado da votação
Docentes (peso 0,7):
- Chapa 1 – 436 votos
- Chapa 2 – 1.454 votos
- Chapa 3 – 679 votos
Técnico-administrativos (peso 0,15):
- Chapa 1 – 208 votos
- Chapa 2 – 516 votos
- Chapa 3 – 1.056 votos
Alunos (peso 0,15):
- Chapa 1 – 1.216 votos
- Chapa 2 – 2.713 votos
- Chapa 3 – 7.212 votos