Correção: a escola Mundo dos Anjos não encerrou as atividades, como informado nesta reportagem entre 18h06min e 19h36min desta sexta-feira. O texto já foi corrigido.
- Decisão ilustra grave crise no setor da Educação Infantil privada por causa dos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus, e prevê colapso em setembro
- Creches alertam que demanda do setor privado migrará para o setor público, que carece de vagas
A Escola de Educação Infantil Pato, uma das mais tradicionais de Porto Alegre, é a nona pré-escola privada da cidade a suspender as atividades por conta da pandemia. Com 52 anos de existência, a instituição localizada no bairro Menino Deus comunicou aos pais na quinta-feira (27) o fim das videoaulas e a demissão de professores e coordenadoras nesta semana. A decisão ilustra o colapso do setor em função do cancelamento de matrículas.
A sócia majoritária da Pato, Mônica Mariani, pretende reabrir a instituição em 2021, mas afirma que o cenário dos próximos meses será observado para, posteriormente, desenhar a volta das atividades. Ela diz que as demissões foram adotadas para “estancar o sangramento”.
— No pós-pandemia, temos que avaliar como ficará a economia para as famílias terem condições de arcar com a mensalidade. Depende da prefeitura, do governo do Estado e do presidente. O governo precisa nos apoiar e apoiar as outras escolas de Educação Infantil que passam pela mesma situação. O setor não tem acesso a linhas de crédito e, por parte do governo estadual, não temos previsão de retomada das aulas — pontua.
A suspensão da Pato ilustra o difícil momento enfrentado por pré-escolas privadas no Rio Grande do Sul: em meio à suspensão das atividades presenciais, a maioria das escolas de Educação Infantil perdeu metade das matrículas.
A etapa compreende alunos de zero a cinco anos, mas a matrícula é obrigatória, por lei, apenas a partir dos quatro anos. Na prática, pais com crianças abaixo dessa idade cancelaram as matrículas, o que coloca as instituições à beira da falência.
Levantamento do Sindicreches-RS, que representa 3 mil instituições privadas do Estado, mostra que o número de matrículas caiu de 90 mil, antes da pandemia, para 42 mil em junho. Entretanto, grande parte das famílias dos alunos que permaneceram ganhou bons descontos. Como resultado, dos 20 mil trabalhadores do setor, 5 mil já foram demitidos.
O e-mail de suspensão das atividades na Pato surpreendeu a servidora pública Ana Brenner, 37 anos, que leu a mensagem ao lado do filho Gabriel, de seis. A mãe cita que o garoto aprendeu a pular corda na escolinha. A outra filha, Bibiana, dois anos, também estuda na instituição.
— Fiquei com o coração apertado. Essa escola era como se fosse uma extensão da nossa casa para as crianças. Mais para o Gabi, que está lá desde os dois anos de idade. Quando li a mensagem, estava do lado dele e fiquei petrificada. Ele perguntou o que tinha acontecido e eu desconversei, não contei para eles ainda. Não sei o que dizer, como explicar. Se eu falo que a escola pode fechar, isso tira deles muitas certezas — diz Ana.
Quem também não recebeu bem a notícia foi a antropóloga Lucia Scalco, 59 anos. A relação com a Pato atravessa gerações da família: três filhos adultos dela estudaram na escola, e agora uma neta também é aluna.
— A família morava no Rio de Janeiro e meu filho Bruno decidiu voltar porque queria que ela tivesse acesso à mesma Educação Infantil que ele teve quando pequeno. Estou muito triste e apreensiva, tenho um amor muito grande por essa escola. Aprendi a ser mãe com a Pato — afirma Lucia.
A suspensão de atividades da Pato não é isolada: outras pré-escolas da capital gaúcha fecharam as portas, segundo o Movimento das Escolas Privadas de Educação Infantil do Rio Grande do Sul (Mepei-RS), que representa cerca de 200 instituições.
— A maioria das escolas tem menos de 50% dos seus alunos. Elas não têm previsão de em qual data vamos retomar nem de como vai ser. Se as aulas não voltarem em setembro, a maioria das escolas vai fechar. Os cancelamentos ampliam cada vez mais — diz Alessandra Uflacker, porta-voz do Mepei e diretora da Escola Neneca, no bairro Petrópolis.
A presidente do comitê de enfrentamento ao covid do Sindicreches-RS, Letícia Mello, também cita setembro como o mês de “colapso” da Educação Infantil privada do Rio Grande do Sul. Ela ressalva que a demanda na rede privada migrará para as prefeituras, que têm carência de vagas.
— Compare a triste realidade da Pato, uma escola supertradicional, com escolas que abriram há dois anos. Os próximos 15 dias vão impactar de forma muito negativa. Estamos há meses em conversas com governo do Estado, prefeitura de Porto Alegre, deputados, senadores e vereadores em busca de recursos financeiros, tanto subsídio quanto financiamento, sem ter qualquer resultado positivo. Nenhum país ficou 160 dias com as escolas fechadas. Voltou o comércio, o futebol, os restaurantes, e as escolas são negligenciadas — afirma Letícia, que é diretora da UP Kids School, no bairro Três Figueiras.
Prefeitura não tem previsão de volta às aulas
A prefeitura de Porto Alegre ainda não estipulou data para o retorno das aulas presenciais. O Comitê de Enfrentamento ao Coronavírus da Capital e representantes de escolas particulares de Porto Alegre se reuniram na quinta-feira (27) para discutir a retomada, mas não houve consenso sobre o calendário.
O governo do Estado previra a retomada para a próxima segunda-feira (31), mas a oposição de prefeitos e de sindicatos de professores adiou a volta. A Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que se reunirá, na terça-feira (1°), com a Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) para discutir novas datas.