Um conjunto de fatores pode ter levado à queda de 25,85% no número de alunos matriculados no Ensino Médio nas escolas privadas do Rio Grande do Sul, comparando 2014 e 2018, a partir da análise do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), com base nos dados do Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Em 2014, foram realizadas 44.872 matrículas no Ensino Médio privado no Estado. Em 2018, este número caiu para 33.271 matrículas.
No mesmo período, a perda da rede privada em todo o Brasil foi de 27% dos alunos de Ensino Médio, o que correspondente a 351 mil estudantes a menos — RS, portanto, embora tenha queda importante, fica abaixo da média nacional. Entre as questões apontadas por quem atua na área estão o Programa Universidade para Todos (Prouni), a implantação de mais um ano no Ensino Fundamental e a crise econômica que se agravou no país a partir de 2015.
Para o presidente do Sinepe/RS, Bruno Eizerik, os últimos anos foram atingidos pela estreia do nono ano do Ensino Fundamental em 2016, que abriu uma lacuna nas séries posteriores. Com isso, cerca de 70% das escolas privadas do Estado ficaram sem ter o primeiro ano no Ensino Médio naquele ano, o segundo ano em 2017 e o terceiro ano em 2018. Conforme o Censo Escolar, só entre 2015 e 2016, exatamente no período da mudança, houve uma queda de 21% nas matrículas na rede privada — de 44.568, em 2015, para 35.230, em 2016.
— Este hiato impactou diretamente no número de matrículas. Mas em todas as redes de ensino houve tendência de queda no total de matrículas. Outras possíveis explicações para este fenômeno são o menor número de crianças em idade escolar e a procura por escolas mais baratas ou gratuitas, mas com boa qualidade de ensino (militares, escolas vinculadas ao Sistema S e instituições federais são as principais alternativas) — justifica.
Para o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira, a crise financeira no Brasil, o Prouni, que oferece bolsas em faculdades privadas, e a ampliação dos institutos federais influenciaram na queda nas matrículas.
— O Prouni exige que somente estudantes com Ensino Médio realizado na rede pública tenham direito a bolsas em faculdades privadas. Não considero esta lei correta. Outro fator foi a ampliação dos institutos federais, onde o estudante encontra boa qualidade de ensino sem precisar pagar por ela. E ainda tivemos uma crise financeira profunda no país, que deixou muito pai sem condições de continuar com o filho numa instituição privada. Numa família, a escola é a última a entrar na crise e é a última a sair dela — ressalta.
Mudança na sétima série
Depois de fazer as contas da família para 2020, a comerciária Sheila Konig, 47 anos, de Porto Alegre, decidiu tirar a filha, Julia Konig, 12, de uma instituição privada pela primeira vez desde que a menina iniciou os estudos. Aprovada para o sétimo ano do Ensino Fundamental, Julia será aluna do Colégio Militar de Porto Alegre a partir deste ano. Com a decisão, Sheila deixará de comprometer 65% da pensão alimentícia da filha com a mensalidade escolar na instituição privada. No Colégio Militar, ela continuará pagando mensalidade, mas um valor menor, desembolsando apenas 15% da pensão da filha. O ingresso foi garantido depois de Julia prestar provas de matemática, português e inglês e ser aprovada na instituição.
— A Julia sugeriu frequentar a escola pública, para também ter esta experiência. Mas as questões de segurança e de sabermos que não seremos surpreendidas por uma greve no meio do ano letivo nos fizeram optar pela militar. Ainda preciso comprar o uniforme dela, mas isso é o mínimo para ela continuar tendo uma boa educação escolar — justifica Sheila.
Educador financeiro e especialista em investimentos, Adriano Severo alerta que ter um controle financeiro é cada vez mais importante para uma família. A partir desta organização, é possível identificar pontos para cortar despesas. Antes de endividar-se, Sheila colocou no papel os gastos mensais e encontrou o problema na alta mensalidade da escola frequentada pela filha, o que comprometia o orçamento da família.
— Os pais organizando as finanças podem tentar uma negociação da dívida com a escola ou, até, uma bolsa de estudos para os filhos. Afinal, as escolas privadas não querem continuar perdendo alunos — diz Severo.
Perspectiva
Pereira sugere que uma alternativa para a continuidade das escolas seria tornar a atividade escolar imune a impostos — hoje, 35% do faturamento de uma escola privada é destinado a impostos. Para isso, seria necessária a inclusão deste item na reforma tributária. O presidente da Fenap frisa que se esta situação ocorresse, as mensalidades poderiam ser reduzidas em até 30%.
— Apesar das perdas, as escolas seguem investindo na formação dos professores porque acreditam numa melhora da economia. Se olharmos as tabelas, as quedas vêm reduzindo ano a ano. Calculamos que a retomada possa ocorrer a partir de 2021 — destaca Pereira.
Já Eizerik salienta que, apesar dos números, as escolas privadas do Estado podem se considerar privilegiadas, pois há uma tendência à redução nas perdas. O exemplo vem dos números mais recentes apresentados pelo Censo, de 2018, quando as matrículas no Ensino Médio na rede privada gaúcha caíram apenas 1,5% (33.271 matrículas) em comparação com o ano anterior (em 2017, foram 33.767 matrículas) — segunda menor queda (só perdendo para a Bahia), em comparação com os outros Estados brasileiros — Roraima foi o Estado com mais perdas, 13%.
— As taxas de crescimento de matrículas na rede privada são maiores que as de crescimento de instituições privadas, o que indica que o número de alunos por instituição privada está aumentando — finaliza.