Um casal de cientistas viaja com os dois filhos para a Itália. O convite é para conhecer um laboratório de pesquisas científicas. No meio da visita, os filhos, curiosos, acabam ativando uma máquina de viagem no tempo e vão parar na Roma antiga, comandada pelo imperador Nero.
O roteiro é digno de um filme de Hollywood, mas a trama foi toda gravada na zona norte de Porto Alegre, por alunos da Escola Estadual de Ensino Fundamental Major Miguel José Pereira. A história é uma entre os 16 curtas-metragens criados por estudantes da instituição do bairro Sarandi. O projeto, criado por um professor da instituição, leva o nome de “Major em Cena”.
As gravações começaram em maio e encerraram no início do mês. Nesta semana, os filmes estão sendo exibidos na escola para alunos, pais e professores. Ao final das sessões, os espectadores votam no curta-metragem que mais gostaram. Isso porque não basta brincar de cinema, os envolvidos no projeto ainda vão simular uma cerimônia do Oscar.
E, para isso, a comunidade se reunirá na próxima segunda-feira, dia 25, na associação de moradores do bairro. Lá, serão premiados os destaques do projeto, com direito a categorias clássicas, como melhor ator e atriz, melhor filme e melhor documentário.
A expectativa é de que cerca de 400 pessoas prestigiem a cerimônia. As sessões de exibição, nesta semana, deixaram a escola em clima de cinema. Até o cheiro de pipoca no ar marcou presença entre segunda e ontem, quando as portas se abriram para a comunidade assistir às projeções no auditório da escola. Além do lanche clássico que acompanha uma sessão de cinema, os espectadores ainda tinham a chance de cruzar com os atores que aparecem na tela, já que são colegas, filhos ou amigos. Aliás, até professores participaram de algumas das gravações.
Temas delicados
Por mais que a narrativa do curta citado no início da reportagem remeta a algo mais ligado a um filme para entreter, os alunos também abordaram assuntos delicados no projeto. Entre os temas presentes nas obras construídas pelas turmas do 2º ao 9º ano, aparecem o assédio sexual, suicídio, bullying e o uso excessivo da tecnologia – aquele tempo exagerado com os olhos grudados no celular.
Muito trabalho
Vice-diretora da escola e idealizadora do “Major em Cena”, a professora Patrícia Sinhorelli Bellato, 47 anos, relata que ficou surpresa com os resultados obtidos.
– Quando apresentamos a ideia aos alunos, todos gostaram. Porém, ao longo do processo, foram vendo como é difícil gravar um filme. Mesmo assim, as turmas persistiram e tivemos curtas-metragens emocionantes sendo entregues – comemora Patrícia.
Para que os alunos se preparassem para produzir o conteúdo, a escola fez oficinas que reuniram pessoas ligadas à área aos professores da instituição. Depois, cada professor repassou aos estudantes o conhecimento de acordo com a área que mais tinha domínio. Daí em diante, restou aos jovens pensar nas histórias, escrever os roteiros, distribuir os papéis e, claro, gravar as cenas.
– Os alunos também se esforçaram para aprender a editar e aplicaram isso nos trabalhos. Foi um período de muito trabalho. Havia dias em que cinco turmas estavam gravando ao mesmo tempo na escola, até parecia um estúdio de cinema – recorda a vice-diretora, bem-humorada.
Os filmes produzidos pelos alunos serão disponibilizados pela escola em canal no YouTube. A divulgação do projeto é feita na página da instituição no Facebook (facebook.com/eemajor.miguel).
Salva de palmas e orgulho
Para quem ficou em frente às câmeras, ver a comunidade indo até a escola para assistir aos filmes é uma realização. E a salva de palmas ao fim de cada exibição também deixou os atores de primeira viagem ainda mais felizes. Estudante do 6º ano Lauanda dos Santos, 12 anos, fez o papel de uma mãe no curta Não Solte a Minha Mão. A história é sobre pais que passam tempo demais no celular e deixam de dar atenção aos filhos.
– Participar de um filme é uma experiência que a gente não espera que vá ter na escola. Por isso, adorei o projeto e gostei muito do resultado final. Com as pessoas vindo aqui assistir, dá um pouquinho de vergonha, mas, depois, a gente acostuma – conta.
Com a fala confiante, o estudante do 9º ano Gabriel Camargo da Silva, 15 anos, relata sua experiência como protagonista do curta-metragem E Se Houvesse um Amanhã. A história fala sobre depressão na adolescência, preconceito, homofobia e suicídio.
– Foi difícil interpretar porque o meu personagem era bem denso, o curta-metragem tinha uma história pesada. Mas gostei do resultado final, acho que consegui me sair bem na interpretação – relata ele.
Mãe de uma das alunas que atuou num dos filmes, a artesã Chana da Silva Graffitti, 38 anos, também aprovou a ideia da escola. Para ela, o estímulo ao lado criativo dos estudantes não costuma ser explorado nas instituições de ensino.
– Temos jovens muito talentosos aqui na escola – elogia.
A mãe gostou tanto do projeto que até se ofereceu para ajudar voluntariamente durante as exibições. Ela ficou na entrada do auditório, recebendo as famílias e entregando os pacotinhos de pipoca aos espectadores.