Parte dos professores temporários contratados pelo Estado em 2019 ainda não teve seus salários quitados. Só neste ano, foram firmados 1.521 contratos — cada profissional pode ter mais de um vínculo.
Alguns docentes estão trabalhando desde março sem receber seus vencimentos, como é o caso da professora Rejane Arruda de Paula, 41 anos, de Porto Alegre. Chamada para substituir uma licença-maternidade em uma turma do 4° ano da Escola Estadual de Ensino Fundamental Professora Branca Diva Pereira de Souza, ela lecionou por cinco meses sem receber nada. O período da licença se encerrou em 17 de agosto, mas Rejane segue sem remuneração.
— Qual outro empregador contrata um funcionário para receber após tantos meses de trabalho? Isso não existe. Parece que o professor não é ser humano — reclama Rejane.
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) não informa o número exato de professores contratados este ano que estão com seus vencimentos atrasados, mas reconhece o problema. A Seduc ressalta ainda que junto com a Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão (Seplag) "empenha-se para garantir que cerca de 90% dos 1.521 contratos temporários de professores, realizados em 2019, já estivessem inseridos na folha de pagamento do mês de setembro". O órgão afirma ainda que "os valores serão corrigidos e devidamente quitados no próximo mês, de forma retroativa, a todos os servidores com contrato temporário".
De acordo com a secretaria, a demora para o pagamento se deve a diversos fatores, como a alta demanda do setor de perícia de exames de saúde e a necessidade de mais exames para comprovar aptidões. Também influenciam no atraso, segundo a Seduc, a demora na entrega de documentos por parte dos servidores, a necessidade de certidões atualizadas e comprovantes de formação na área profissional.
A presidente do Cpers Sindicato, Helenir Aguiar Schürer, considera a situação grave. Ela afirma que a falta de salário faz com que muitos profissionais não tenham condições financeiras e psicológicas de irem trabalhar:
— Já questionamos a Seduc e, até agora, não tivemos resposta a respeito. Essas pessoas estão trabalhando sem receber e estão com a saúde afetada, debilitadas psicologicamente.
Presidente da Comissão de Educação na Assembleia Legislativa, a deputada estadual Sofia Cavedon também cobra explicações do governo sobre o número exato de professores nessa situação. Ela tem uma audiência marcada no dia 2 de setembro com a Secretaria Estadual da Fazenda para entender o que está acontecendo e pedir soluções:
— É impossível e inaceitável uma situação dessas. Tem gente trabalhando desde março sem receber salário.
"Só seguimos trabalhando por amor"
Para pagar o transporte até a Escola Branca Diva, no bairro São Geraldo, Rejane conta com a ajuda dos amigos. Ela diz que tem feito empréstimos para pagar as contas do mês. Na turma em que Rejane dá aulas, os estudantes fizeram um vídeo para demonstrar o apoio à docente.
— Quando estou em sala de aula, encarno um personagem e tento esquecer tudo isso —afirma Rejane.
Segundo a professora, ela tem todos os seus documentos em dia junto à 1ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), pois possui um segundo contrato em outra escola.
A professora Alamara Unters Rodrigues, 47 anos, começou a dar aulas no dia 10 de abril e também não recebeu salário até agora. Após atuar um ano como merendeira — também em contrato emergencial e recebendo em dia — ela assumiu a sonhada vaga de professora de séries iniciais na Escola Estadual de Ensino Fundamental Professor Sylvio Torres, no bairro Agronomia. As crianças da sua turma estavam sem professor até o começo de abril. Com 10 anos de magistério, ela não fazia ideia de que ficaria tanto tempo sem receber. Ao ser contratada, foi avisada pela 1ª CRE que poderia levar até três meses para ganhar o salário:
— Julho chegou e não recebi nada. Não sei mais de onde vou tirar dinheiro para pagar as contas.
Segundo Alamara, ela entregou todos os exames de saúde necessários para a contratação. Embora ela esteja em sala de aula desde abril, apenas em 12 de agosto foi publicado no Diário Oficial a informação de que ela estava apta para trabalhar. Dias depois, também foi publicado o ID do funcionário, número que identifica o servidor:
— Não tem nenhum documento meu faltando. Não aguento mais isso. Preciso do meu salário.
A professora, que mora de aluguel no Centro, conta com a ajuda dos filhos e do companheiro para bancar o transporte até a escola, que fica na Vila dos Herdeiros, na Agronomia. Ela se emociona ao falar da profissão:
— Só seguimos trabalhando por amor. Todos os dias, os alunos nos esperam com um sorriso no rosto. E eles não têm culpa de nada disso.