Reitores de universidades federais do Rio Grande do Sul veem com ressalvas o projeto apresentado pelo Ministério da Educação (MEC) de mudanças na forma de financiamento e gestão das instituições de ensino. Entre as críticas está a falta de diálogo do MEC, que não consultou os reitores antes de propor as mudanças.
O programa Future-se foi detalhado aos gestores das instituições de ensino na terça-feira (16), em Brasília, durante encontro com o secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Lima, responsável por estruturar o plano. Na manhã desta quarta, foi a vez de o ministro Abraham Weintraub defender as mudanças em um encontro com dirigentes e jornalistas.
— O MEC apresentou uma proposta para o futuro das universidades federais sem conversar com as universidades. Nenhuma universidade é coautora desse projeto — criticou o reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pedro Rodrigues Curi Hallal.
O Future-se prevê recursos para as universidades e institutos federais a partir da venda de patrimônio público, parcerias privadas e remuneração dos docentes por desempenho. Uma consulta pública será aberta para receber sugestões, antes de as mudanças serem levadas para apreciação do Congresso Nacional. A adesão das universidades não é obrigatória e, conforme reitores consultados por GaúchaZH, um amplo debate deve ser feito antes de manifestar uma posição.
Segundo a reportagem apurou, alguns reitores chegaram a cogitar não participar do encontro com o ministro na manhã desta quarta, em Brasília, por discordância sobre como as mudanças foram propostas. No entanto, em uma reunião realizada após a apresentação feita pelo secretário do MEC na terça-feira, o entendimento predominante foi de que é importante se envolver no debate e tentar apresentar sugestões.
Para o reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rui Vicente Oppermann, a proposta tem pontos positivos, como a retirada de entraves que impedem as universidades de usar recursos obtidos por meio de doações e de parcerias privadas. Ele considera que é possível aprimorar o projeto, apesar de demonstrar preocupação quanto à autonomia das universidades.
— As apresentações feitas na terça e hoje (quarta-feira) foram superficiais. Então, ainda tem pontos obscuros que precisamos debater, como a relação das universidades com as organizações sociais. Não podemos abrir mão da nossa autonomia administrativa e, principalmente, acadêmica.
Além da preocupação com a garantia de autonomia das universidades e com a possibilidade de organizações sociais assumirem a gestão da manutenção das instituições, também são motivos de atenção apontados pelos reitores a criação de uma competição desleal entre professores por conta da possibilidade de receber recursos extras por publicação de pesquisas e participação em projetos com a iniciativa privada, perdendo o foco no ensino de qualidade, e a demora para a implementação do fundo patrimonial — definido pelo MEC como uma alternativa de financiamento das universidades.
Pela proposta do governo, seriam garantidos R$ 50 bilhões com a gestão de imóveis hoje ociosos da União. A ideia é de que o Ministério da Economia repasse os imóveis a esse fundo, que vai trabalhar na venda ou na locação dos espaços. O dinheiro proveniente disso irá para as universidades. De acordo com os reitores, essa é uma medida que não vai trazer retorno no curto prazo.
— A nossa preocupação imediata é o desbloqueio orçamentário. Não significa, com esse projeto, que o governo deixa de ter compromisso com o financiamento público da educação. Precisamos de recursos no curto prazo, caso contrário, teremos problemas no segundo semestre — afirma Paulo Burmann, reitor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Em entrevista coletiva a jornalistas após a apresentação desta quarta, Weintraub disse que está em contato com o Ministério da Economia, mas que não tem previsão de liberação dos recursos bloqueados este ano das universidades e institutos federais. Em abril, o governo anunciou o corte de 30% no orçamento previsto para 2019, o que motivou protestos pelo país.
O reitor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Marco Hansen, diz que os reitores receberam uma apresentação de slides e uma proposta de consulta pública, ainda com pouco detalhamento. E que é preciso avançar no debate.
— Tem coisas positivas na proposta. Coisas inclusive que já temos feito nas nossas universidades, como a captação de recursos privados e o envolvimento com pesquisa e inovação, mas tem outros pontos complexos e o debate precisa ser amplo.
Segundo o MEC, a consulta pública estará aberta até 15 de agosto.
As propostas do MEC
- Criação de um ranking de instituições federais de Ensino Superior, com premiação para as que forem mais eficientes nos gastos. Os critérios não foram detalhados.
- Permitir que departamentos das universidades façam parcerias com a iniciativa privada para oferta de cursos, por exemplo, e recebam recursos para isso.
- Autorização para que as instituições possam colocar o nome de patrocinadores em salas, prédios e outros espaços, o que permitiria a manutenção e a modernização dos equipamentos com ajuda do setor privado. É um modelo de financiamento comum em universidades dos Estados Unidos.
- Arrecadar recursos por meio de contratos de cessão de uso de prédios e áreas e parcerias público-privadas.
- Criação de um fundo patrimonial das universidades, a partir da cedência de imóveis ociosos da União. A estimativa é arrecadar R$ 50 bilhões com o fundo.
- Permissão para que as instituições captem recursos via Lei Rouanet para os projetos culturais, como museus, feiras, apresentações artísticas.
- Adoção de consórcios de universidades para diminuir custos na aquisição de equipamentos.
- Contratação de organizações sociais que serão responsáveis pela gestão do dia a dia das instituições, como serviços de limpeza, segurança, iluminação.
- Incentivar a criação e instalação de startups (empresas com base tecnológica que podem crescer em escala), com aplicação de dinheiro de fundo destinado a isso.
- Aproximar as instituições das empresas, facilitando acesso a recursos privados.
- Premiação de projetos inovadores e remuneração extra a docentes que tiverem desempenho reconhecido por meio de publicações de renome e que trabalharem com startups e parcerias privadas.
- Todas as ações serão financiadas por um grande fundo de investimento, administrado por uma instituição financeira. A estimativa é arrecadar mais de R$ 100 bilhões, sendo que metade é proveniente do fundo patrimonial. O MEC não detalhou como será a implementação, que tem motivado dúvidas dos reitores.