O que já era difícil, parecendo quase impossível, ficou ainda pior. Seleção das mais disputadas do Brasil – 203 candidatos por vaga em 2018 –, o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD), com 20 vagas de terceiro-secretário e salário inicial superior a R$ 19 mil, para o Instituto Rio Branco, ligado ao Ministério das Relações Exteriores, apresenta novidades neste ano.
As provas, agora em duas fases, e não mais em três, previstas para setembro e outubro, serão aplicadas pelo Instituto Americano de Desenvolvimento (Iades), que venceu o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), antigo Cespe, apresentando um orçamento de valor inferior. A mudança ocorre depois de quase três décadas da antiga banca no comando das provas. Com a divulgação do edital na última segunda-feira (8), os candidatos, que quase sempre se preparam por anos até conquistar a aprovação, têm apenas dois meses para assimilar as mudanças de formato e dar conta dos acréscimos listados no conteúdo programático.
Para começar, chama a atenção a redução no número de vagas, que no ano passado era de 26 e, em edições anteriores, chegou a até 30. Em 2019, são 15 para ampla concorrência, quatro para negros e uma para pessoa com deficiência. Na primeira etapa do exame, as questões seguem exigindo que o candidato avalie o exposto como "certo" ou "errado", mas há uma diferença marcante aqui – até a última edição do CACD, cada resposta incorreta anulava uma correta, e, a partir de agora, duas incorretas excluem uma correta.
Na opinião de professores de cursos preparatórios e aspirantes à carreira na diplomacia, isso deve fazer com que mais concorrentes consigam mais pontos, elevando-se, assim, a nota de corte. Ou seja, o nível geral de desempenho tende a ser melhor. Para João Daniel Almeida, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da plataforma online Clipping CACD, o modelo atual desincentivará que se deixem questões em branco, fazendo com que ocorram mais "chutes".
— Os candidatos mais experientes gostaram da ideia de duas erradas anularem uma certa, mas eu não concordo. Isso é pior para um candidato bem preparado porque estimula o candidato não tão bem preparado a chutar. Polui um pouco. Vão passar para a segunda fase candidatos que não estão preparados — prevê João Daniel.
Outro fator de extrema relevância é que o número de habilitados para a etapa dois caiu de 260 para 200 (150 indivíduos como ampla concorrência, 40 negros e 10 pessoas com deficiência).
— Isso tudo vai contribuir para que a prova fique mais difícil — resume o docente.
As mudanças
Quem almeja a glamourosa carreira por consulados e embaixadas mundo afora precisa ter um desempenho impecável em uma série de disciplinas. Na primeira fase, objetiva, entram língua portuguesa, língua inglesa, história do Brasil, história mundial, política internacional, geografia, economia, direito e direito internacional público. A segunda fase, de caráter eliminatório e classificatório, prevê provas dissertativas de língua portuguesa, língua inglesa, história do Brasil, geografia, política internacional, economia, direito, direito internacional público, língua espanhola e língua francesa.
Entre os tópicos estreantes, houve mudanças em história – que listou o uso de novas tecnologias na contemporaneidade, sem detalhes a respeito do que isso possa significar – e política internacional, com a abordagem de criptomoedas. Em direito, a inclusão que mais tem provocado reclamações é sobre a lei de licitações. Sobre esta última, opina João Daniel:
— Não acho que correr atrás desse conteúdo seja uma estratégia inteligente. Talvez caia uma questão. Pode nem cair.
Mariana Rocha, 26 anos, bacharel em Relações Internacionais, que vem se submetendo ao CACD há quatro anos, conta que levou um "baque" inicial ao tomar conhecimento das mudanças. Habituada à prática de resolver questões de concursos anteriores do Cebraspe, procurou por provas antigas do Iades e não encontrou muitas. A concurseira não pretende alterar muito o seu cronograma de estudos por acreditar que não houve mudanças significativas nos assuntos exigidos.
— Meu desempenho está sendo crescente. No ano passado e no ano retrasado, fui até a última fase. Vejo a maior parte do pessoal meio desesperado, "o que vou fazer, o que vou fazer?". Acho que isso também traz uma vantagem para o candidato que tem mais calma e resiliência. Todo ano, invariavelmente, vem alguma coisa nova. Sempre tem. Estou tranquila. É um processo. Sou a prova viva de que todo ano tem uma melhora — comenta Mariana.
Rumo a sua quinta prova, pelo segundo ano com dedicação exclusiva aos estudos – oito horas diárias –, Bárbara Klein Mendes, 27, também bacharel em Relações Internacionais, acha que o CACD piorou com as alterações há pouco anunciadas. O que mais preocupa a estudante é a troca de banca, depois de tantos anos com um padrão consolidado, e o corte de verba. Em geral, candidatos ouvidos pela reportagem manifestaram também inquietação por se tratar do primeiro exame dentro do mandato do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que delegou o Itamaraty ao controverso Ernesto Araújo, protagonista de inúmeras polêmicas.
— Não vejo como manter a logística e a seriedade com metade do orçamento. Não vejo como manter o nível de qualidade. Com o Cebraspe, por mais que fosse uma banca difícil, era uma banca séria. Eu tinha confiança, o esquema de segurança era impecável — observa Bárbara. — Não sei o que esperar até chegar o dia da prova e abrir o caderno, inclusive pelas mudanças ideológicas de governo — acrescenta.
João Daniel também teme pela falta de experiência do Iades em concursos dessa magnitude, mas recomenda que os candidatos se atenham a sua agenda de estudos e evitem que a ansiedade tome conta.
— Não vejo mudanças substantivas e não acho que a pessoa precisa mudar a maneira de estudar. Ela precisa ter tranquilidade para continuar. É um processo, às vezes, de quatro, cinco anos — avalia o professor.
A reportagem procurou o Iades para falar sobre as mudanças no formato e no conteúdo das provas, mas a entidade informou, via assessoria de imprensa, que não comenta o edital ou questões internas, tampouco fornece detalhes adicionais, "a fim de assegurar o sigilo necessário". "A composição das etapas e das provas, como pode ser observado no Edital Normativo, permaneceu inalterada. O Iades não comenta sobre o conteúdo das provas que ainda serão aplicadas", destacou a assessoria.
O Instituto Rio Branco
- Criado em 1945, o Instituto Rio Branco é responsável pela seleção, pela formação e pelo aperfeiçoamento dos diplomatas brasileiros que trabalharão para o Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores.
- O edital referente ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) deste ano pode ser acessado no site institutoriobranco.itamaraty.gov.br.
- No CACD de 2018, 5.295 candidatos se inscreveram na disputa por 26 vagas, o que significou uma média de 203 candidatos por vaga.