Dois anos e três meses após virar lei, a reforma do Ensino Médio começou a ganhar fôlego nesta semana no Rio Grande do Sul. Na última segunda-feira (10), a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) iniciou a fase de escuta, em 300 escolas, na qual alunos do 8º e 9º ano do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, professores, familiares e membros da comunidade local podem responder a uma pesquisa de opinião sobre o processo que já iniciou em parte da rede pública. Um site foi criado para receber os apontamentos e esclarecer dúvidas sobre as alterações.
Com base nas respostas, que serão recebidas ainda neste mês, a Seduc vai diagnosticar quais são os melhores caminhos para elaborar os chamados itinerários formativos, que serão a parte flexível dentro dos três anos do novo Ensino Médio.
— Nós estamos investigando o que está acontecendo nessas escolas, qual é o desejo desses alunos, o que eles querem estudar, qual é o foco de seu interesse na escola. Não só na escola, mas também na vida, trabalhando com essa parte prática e social desse jovem — defende a Coordenadora Estadual do Ensino Médio, Adriana Schneider.
Nesse primeiro momento, o terreno para o início do novo modelo de Ensino Médio está sendo preparado em 300 escolas da rede estadual de ensino. A mudança ocorrerá primeiro nessas unidades, no ano letivo de 2020. A reforma atingirá escolas públicas e privadas, mas o projeto-piloto ocorre apenas na rede estadual, que representam 85% das matrículas nesse ciclo, segundo o Censo Escolar de 2018.
— Nessas 300 escolas, eles já estão fazendo alguns ensaios de flexibilização dentro da carga horária ainda em 2019. Não está definida ainda uma proposta fixa de currículo. Escolas têm oferecido oficinas, alguns projetos interdisciplinares. Temos algumas escolas que estão investindo em clubes de leitura, clubes de esporte, clubes de robótica — exemplifica Adriana.
A coordenadora afirmou que, em 2019, "o novo Ensino Médio chega na escola, e em 2020, chega na sala de aula". No ano que vem, com as escolas integrantes do projeto-piloto colocando a reforma em prática, as demais unidades da rede pública iniciam o processo de ações de flexibilização para adotar o novo sistema em 2021.
Com problemas estruturais, de orçamento e falta de professores, a Secretaria da Educação não descarta buscar na iniciativa privada apoio para recursos no processo:
— No momento, a gente tem o recurso federal. Acredito que também teremos um recurso estadual, porque é de interesse do Estado, e nada impede que a gente estabeleça parcerias público-privadas. É bastante importante que façamos esse envolvimento com os demais setores econômicos de toda sociedade gaúcha — afirma a coordenadora do Ensino Médio no Estado.
Adriana reconhece que o cenário não é o adequado, mas afirma que é preciso acreditar que será possível implementar as alterações com excelência.
Uma das principais mudanças previstas na reforma diz respeito às disciplinas que serão cursadas pelos alunos durante os três anos dessa fase escolar. Atualmente, o currículo prevê pelo menos 13 matérias obrigatórias.
O Ministério da Educação promete mais flexibilidade na grade curricular com a reforma. No novo modelo, 60% do Ensino Médio terá de responder à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), abordando quatro áreas de conhecimento: linguagens, matemática, ciências humanas e ciências da natureza. Apenas matemática e português serão obrigatórios ao longo dos três anos. O restante poderá ser aplicado em apenas parte do período.
Os outros 40% serão flexíveis. Os estudantes poderão escolher os itinerários formativos e usarão essa carga horária para participar de atividades voltadas a áreas de conhecimento ou à formação técnica e profissional.
Desde o anúncio, quando foi editada via medida provisória (MP), a reforma do Ensino Médio não tem consenso na área da educação. Falta de debate mais amplo, um padrão geral sem respeitar peculiaridades de cada região, falta de investimentos na estrutura das escolas e na formação dos professores, e a inclusão do ensino a distância (EAD) estão entre os pontos criticados. Mais poder de decisão dos alunos e uma melhor transição entre os últimos anos da vida escolar e o ingresso no Ensino Superior ou a inserção no mercado busca são algumas justificativas do governo para a remodelação.
Escola no bairro auxiliadora está no projeto-piloto e já implementa ações para auxiliar alunos na escolha
No bairro Auxiliadora, em Porto Alegre, a Escola Estadual Piratini faz parte do grupo de 300 instituições do Estado que iniciarão este projeto-piloto em 2020. Algumas dinâmicas foram alteradas, e atividades diferenciadas foram propostas com o objetivo de dar ferramentas para que os estudantes escolham os itinerários formativos.
Uma das atividades implementadas em 2018, quando a escola passou a contar com aulas em tempo integral, foi o Projeto de Vida, no qual estudantes trabalham seus potenciais, interesses e atividades que mais gostam. Outra é o projeto 100 minutos, em que os alunos desenvolvem e executam um projeto dentro de uma das áreas do conhecimento.
— Estamos instrumentalizando os alunos para que eles possam conhecer essas áreas de conhecimento de maneira não tradicional e mais orgânica. Acreditamos que isso fará com que a decisão deles seja mais natural, por aptidão e intimidade com um determinado tema — diz o diretor da escola, Maurício Girardi.
Segundo ele, a escola prevê a oferta de quatro dos cinco itinerários, excluindo apenas a formação técnica profissional. A lei sancionada em 2017 não obriga as instituições de ensino a disponibilizarem todas as opções, por isso, a oferta vai depender das condições de infraestrutura e de professores disponíveis.
Com a aproximação do início da fase piloto, alunos e professores mostram-se apreensivos quanto à novidade por não saberem como será sua prática. Duas jovens do segundo ano ouvidas pela reportagem não sabiam qual área escolheriam. Uma delas sonha em cursar Medicina, mas confessa que gosta mais de aprender e pesquisar conteúdos sobre língua portuguesa e literatura. Ambas veem a mudança como uma perda, porque se consideram novas para fazerem uma escolha desta magnitude já ano que vem.
A professora de português Márcia Dorneles acredita que a fórmula para este novo projeto de Ensino Médio será definida no desenrolar das atividades.
— 2020 será uma surpresa neste quesito, porque, até agora, está tudo no plano da teoria. Em relação às minhas aulas, estou revendo que modificações terei de implementar, mas este é um estudo que está sendo feito ainda.
*Colaborou Iarema Soares