Se você já "fez a egípcia" ou conhece alguém que “dá a Elza”, possivelmente o pajubá não é grego para você. Mesmo que muitos desconheçam o significado desse termo, as expressões características do dialeto de gays e travestis, como as que iniciam esse texto, acabaram se popularizando e foram parar, inclusive, em uma questão da prova de Linguagens do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Sem muitos detalhes sobre a época do seu surgimento – especula-se que foi durante o século 19 –, o que se tem certeza é que a origem do pajubá (ou bajubá) está nos cultos afro-brasileiros. Conforme o professor do Instituto de Educação da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) Marcio Caetano, pesquisador do tema LGBT, esse linguajar típico dos travestis, transexuais e gays é uma apropriação literal do yorùbá, das religiões afro, misturado com o português.
— Inicialmente, ele foi o dialeto usado por homossexuais de camadas populares que eram sujeitos a situações de vulnerabilidade e que dadas as condições de vida buscavam formas de driblar o preconceito e as pessoas que os cercavam — descreve o docente.
Como as religiões de matrizes africanas sempre foram mais acessíveis àqueles grupos minoritários, elas acabaram ganhando espaço de protagonismo nas populações homossexuais.
— Para os orixás, não importa a identidade sexual — completa Caetano.
Em um artigo publicado em 2013, o aluno de mestrado em Letras da Universidade Federal da Paraíba Fernando Alves de Oliveira trata a linguagem como uma forma de resistência desses grupos. No texto, ele traz um apanhado histórico que vai desde a chegada dos portugueses por aqui, até a tentativa de escravizar os indígenas, inferiorizando seus dialetos, até a chegada dos escravos negros, que também tiveram sua língua relegada.
Desse descaso, os escravos teriam passado a usar outros linguajares. "Como forma de resistência, os negros passaram a utilizar outra variação do modo de falar, convencionalmente chamado de dialeto do povo-de-santo. Este é notadamente de cunho religioso e se traduziu em uma forma de manter viva a tradição deles, tanto do ponto de vista religioso quanto cultural", descreve o autor.
Além da resistência, esses dialetos também significam proteção e segurança, diz o jornalista Alisson Machado, doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com uma tese sobre temáticas de gênero e sexualidade:
— Pajubá é linguagem de gueto, das manas de esquina. Ele é usado por elas para se proteger dos aliban (polícia).
Tratado fundamentalmente como linguagem oral, o pajubá dá margem para diversas grafias e interpretações. O termo "acuenda", que abre a questão 9 do Enem, quer dizer "olhe, preste atenção". No entanto, há algum tempo, significava a técnica usada por transexuais e drag-queens para esconder o pênis entre as pernas, comenta Machado.
— Também pode-se dizer "desacuenda, mana", que é "esquece, desapega" — exemplifica o doutorando.
Fora o amplo leque de interpretações, assim como qualquer língua, o pajubá está sujeito a regionalismos e gírias mais usadas em um Estado do que no outro.
— Se um homem é chamado de puto no Rio Grande do Sul, significa que ele é gay. No Rio de Janeiro, quer dizer que ele é “um galinha” — diz Caetano.
Inclusão e aproximação
Para Caetano, a questão do Enem se justifica por que a juventude contemporânea está muito mais ambientada a essas gírias do que a turma da década de 1980, por exemplo – quem nunca ouviu falar em "boymagia? A explicação para isso é, em parte, o uso das redes sociais. Contudo, mídia, novelas e até mesmo o cinema contribuem para essa disseminação:
— Os jovens vêm incorporando essa linguagem construída por homossexuais e a levam para a sociedade mais ampla.
Machado diz que ainda não sabe mensurar a repercussão da inclusão do tema no Enem, contudo, a vê com bons olhos:
— Pajubá é linguagem, então, como a pessoa aprendeu? É ouvindo, estando junto, participando. Ele não é aprendido em outros espaços que não os LBGT, então, significa, no mínimo, um processo de escuta e de aproximação.