Em uma esquina do bairro Planalto, em Vacaria, a faixa azul com letras brancas evidencia o contentamento de uma comunidade: congratula a Escola Dalva Zanotto de Lemos pela nota 8,3 obtida na avaliação dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgado no mês passado.
Trata-se da melhor nota entre as escolas estaduais gaúchas sem processo seletivo (empatada com a Escola Dionísio Lothario Chassot, de Tapera), um resultado superior, inclusive, ao desempenho de muitas particulares e mais de dois pontos acima da meta definida para a unidade de ensino. Professores, pais e alunos não esconderiam tamanho feito entre as paredes do prédio simples de madeira, erguido em 1961, onde estudam 297 alunos divididos em 12 turmas e dois turnos.
– Isso mostra o resultado do trabalho de toda a equipe e também do envolvimento dos pais – resume a diretora Helena Dóris Fialho Pinotti.
VÍDEO: Conheça as três escolas retratadas nas reportagens sobre o Ideb e suas ferramentas para o bom ensino:
– Acho que é sinal de que tem muito professor eficiente na escola – elogia Marilene Aparecida Pedroso Pereira, mãe de Bruna, aluna do 8º ano, e Gustavo, do 2º ano.
A Dalva Zanotto de Lemos é um dos oásis de educação de qualidade que emerge dos dados do Ideb, indicador de referência coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas em Educação Anísio Teixeira (Inep). Quando o Ministério da Educação (MEC) criou o Ideb, em 2007, colocou à disposição da sociedade um instrumento de análise do ensino no Brasil e descortinou o tamanho do desafio até 2021, data limite para que as metas estipuladas pela pasta sejam atingidas, tanto no Ensino Fundamental – separado em Anos Iniciais e Anos Finais (do 6º ao 9º anos) –, quanto no Ensino Médio. Em mais de uma década de análise, o Ideb apontou avanços nos Anos Iniciais do Fundamental, com a superação das metas intermediárias, definidas a cada dois anos, considerando a realidade de cada escola e o cenário socioeconômico em que está inserida.
Na Dalva Zanotto, os alunos dos Anos Iniciais superaram os objetivos e demonstraram proficiência em português e matemática, as duas disciplinas analisadas pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) na Prova Brasil, que é fundamental na elaboração do Ideb. A escola de Vacaria também bateu a meta nos Anos Finais do Fundamental. Mas, nessa segunda etapa, sua nota caiu para 5,6. Nada muito diferente do que acontece em quase todas as instituições: o mau desempenho dos alunos dos Anos Finais constitui um dos nós a serem desatados no Ensino Básico (que é a soma de todas as etapas do Fundamental e do Médio). As dificuldades dos estudantes do 6º ao 9º ano têm consequências nas notas baixas do Ensino Médio, apontam especialistas.
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), onde coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave), Ocimar Alavarse entende que a queda de desempenho nos Anos Finais em parte é explicada pela própria tradição da escola brasileira. Nos Anos Iniciais, já se estabeleceu – antes da existência do Saeb – uma rotina de atenção à leitura e à matemática. Os projetos pedagógicos desenvolvidos com as crianças costumam ser focados nessas duas habilidades.
Na Escola Dalva Zanotto, as professoras dessa primeira etapa têm na biblioteca uma aliada constante na organização das tarefas com as turmas. Todas as semanas, os alunos são convidados a escolher uma obra, e a leitura é estimulada nas turminhas dos pequenos. Até na educação física a habilidade é explorada. Em uma atividade sobre handebol, por exemplo, os estudantes tiveram de pesquisar e escrever sobre a modalidade antes de jogar.
– Os professores sempre procuram respeitar o plano de ensino definido pelo Estado, mas também buscam ir além do que está no papel. A leitura faz parte da nossa rotina com as crianças – diz Rosana Rodrigues Boldo, supervisora do turno da manhã na escola de Vacaria.
Organização dificulta o cuidado com a leitura
Alavarse explica que a forma como os Anos Finais são organizados dificulta a permanência do cuidado com a leitura. A partir do 6º ano, os estudantes passam da convivência com um único professor à rotina com diferentes educadores, cada um dedicado a uma disciplina específica.
– O aluno que tinha um professor salta para, no mínimo, oito. A lógica de leitura e a resolução dos problemas trabalhados nos Anos Iniciais são seguidas por todos, mas e quanto aos Anos Finais? Olham para os professores de português e matemática como se coubesse exclusivamente a eles manter essas competências (leitura e resolução de problemas). Não é que não existam ganhos nos Anos Finais, mas estes são menores do que seriam se tivéssemos programas com esse tipo de acompanhamento – comenta o professor.
Entre os embasamentos de Alavarse, está um estudo no qual se envolveu e que resultou na publicação, em 2012, por parte da Fundação Lemann e do Itaú BBA, do primeiro da série de relatórios Excelência com Equidade. Nesse trabalho, foram estudadas escolas públicas brasileiras que atendiam a alunos de baixo nível socioeconômico e que haviam conseguido boa aprendizagem nos Anos Iniciais. A ideia era identificar como essas instituições contornavam carências, a exemplo de falta de materiais de estudo ou vocabulário restrito dos alunos, e transformavam a trajetória desses estudantes.
Considerando dados da Prova Brasil e também do Censo Escolar, foram mapeadas 215 escolas de 17 Estados que conseguiram levar pelo menos 70% dos alunos a uma aprendizagem adequada em língua portuguesa e matemática ao fim do 5º ano do Ensino Fundamental. Essas instituições também apresentavam menos de 5% dos estudantes com aprendizagem insuficiente. Seis das 215 foram analisadas em profundidade. Identificaram-se práticas comuns que poderiam explicar o desempenho e serem replicadas em outras escolas.
Em 2015, os pesquisadores voltaram a campo, desta vez em uma parceria do Instituto Credit Suisse Hedging-Griffo, para analisar os Anos Finais do Ensino Fundamental. Já na aplicação dos critérios de escolha das escolas, perceberam a dificuldade. Segundo o relatório da pesquisa, ao aplicarem os métodos de seleção estabelecidos no primeiro estudo — o de que pelo menos 70% dos estudantes, agora do 9º ano, deveriam ter atingido um aprendizado adequado —, restaram apenas três escolas em todo o Brasil. Disparidades entre as redes de ensino, a realidade dos municípios e a própria proficiência dos alunos exigiram que se reorganizassem os critérios da pesquisa. Os estudiosos chegaram a seis escolas de bom desempenho, todas de redes municipais, sendo três delas do Ceará. No apanhado de práticas tidas como pilares dos bons resultados, a leitura despontou.
– Esse foi, sem dúvida, o elemento mais visível. Em todas essas instituições havia uma preocupação diária com a leitura – atenta Alavarse.