O Colégio João Paulo I, na zona sul de Porto Alegre, tornou-se centro de um debate sobre se a segurança deve estar acima da privacidade nos ambientes de ensino.
No dia 17 de agosto, a Justiça do Trabalho determinou, em liminar, a retirada de câmeras instaladas no interior das salas de aula da escola. Em resposta, a Associação de Pais e Mestres do estabelecimento lançou, nesta quarta-feira (5), um abaixo-assinado para apoiar a presença dos dispositivos de vigilância.
A ação foi apresentada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS), que já mantém um embate judicial semelhante com outra instituição particular da Capital, o Colégio Província de São Pedro. Segundo a diretora do sindicato, Cecília Farias, o pedido referia-se apenas a câmeras que foram instaladas nas salas de aula e na sala dos professores.
— Recebemos ligações de professores que estavam contrariados com as câmeras. Vigiar professores e alunos em sala de aula não é apropriado, por razões pedagógicas. Não existe estranhos nesse ambiente ou na sala de professores. Colocar câmeras significa dizer que não há confiança — afirma Cecília.
Na liminar que determinou a retirada dos equipamentos, o juiz Átila Roesler considera que a escola feriu a privacidade e a intimidade de professores e alunos, violando a Constituição Federal e dispositivos da CLT, do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "A vigilância do trabalho por câmeras de segurança em sala de aula não encontra qualquer fundamento válido ou justificável, devendo ser considerada, de plano, inconstitucional e ilegal por se tratar de medida desarrazoada a ser tomada pelo empregador. A violação aos direitos fundamentais é evidente e merece ser reprimida em nome da proteção dos indivíduos afetados (trabalhadores, crianças e adolescentes)", escreveu o juiz.
Vigiar professores e alunos em sala de aula não é apropriado, por razões pedagógicas. Não existe estranhos nesse ambiente ou na sala de professores. Colocar câmeras significa dizer que não há confiança.
CECÍLIA FARIAS
Diretora do Sinpro/RS
Roesler comparou a situação ao romance 1984, de George Orwell, em que "todos são vigiados e fiscalizados pelo Grande Irmão, onde os indivíduos não dispõem de nenhuma liberdade de fato, pois nesta distopia a sociedade é fiscalizada preventivamente não tendo qualquer direito ao livre pensamento".
Sob pena de multa diária de R$ 30 mil, o juiz determinou a retirada das câmeras. A direção da unidade zona sul do João Paulo I não apenas acatou essa determinação como desligou todas as câmeras – incluindo as que vigiam outras áreas, como pátio, acessos, corredores e escritórios. Mas impetrou um mandado de segurança para reverter a decisão, no qual afirma que "a segurança das crianças e dos professores, protegida pelas câmeras em sala de aula, fica prejudicada em detrimento da tese – não provada – de invasão de privacidade".
Em nota encaminhada aos pais, o diretor, Eduardo Ferret Oyarzabal de Castro, comunicou que todo o sistema de segurança está inoperante desde o dia 24 de agosto. Ele manifestou contrariedade: "Negar a realidade de que há riscos de agressões, subtração de objetos pessoais e até mesmo casos muito graves como bullying beira a ingenuidade. Nesse sentido, as câmeras de segurança constituem fonte valiosa de informação em momentos de conflito ou dúvida, proporcionando que alunos, pais e professores possam, com muita tranquilidade, gozar dos espaços escolares". Castro também sublinhou, na nota, que as imagens são utilizadas apenas em caso de necessidade, com acesso mediante senha.
— Quero reforçar que as câmeras são de segurança — disse Castro à reportagem. — Portanto, não gravam nem captam áudio e não focam no professor. Captam apenas a imagem do ambiente.
A situação motivou uma reunião da Associação de Pais e Mestres da escola, ocorrida na noite de terça-feira. No encontro, os integrantes decidiram fazer um abaixo assinado para que as câmeras voltem a operar, documento que pretendem apresentar em audiência de conciliação entre Sinpro e escola marcada pela Justiça do Trabalho para a próxima segunda-feira. Segundo a presidente da associação, Joana Madeira, a iniciativa do Sinpro contraria os interesses da comunidade escolar, incluindo pais e professores. Além de mãe de aluno, ela é professora e coordena a educação infantil do João Paulo I.
— Os pais e professores não se sentem representados pelo sindicato — diz Joana. — Veem a câmera não como uma questão de vigilância, mas como segurança. Mesmo sendo uma escola particular, não estamos livres de furtos e de bullying. É um recurso de segurança para as famílias e também para os professores. Eles não se sentem inibidos, mas protegidos, porque a câmera protege o professor também.
Alguns pais de alunos manifestaram apoio à escola. No Facebook, o gerente de tecnologia Marcelo Zardo provocou: "Se alguém conseguir citar apenas uma situação em que a atividade dentro da sala de aula não possa ser filmada, estará citando uma situação que jamais deveria ocorrer dentro de uma sala de aula". Com duas crianças no João Paulo I, Zardo estava se organizando, na quarta-feira, para ir ao colégio para assinar o abaixo-assinado. Ele entende que a iniciativa da escola significa transparência:
— Ao colocar as câmeras em locais de uso coletivo, não individual, está garantido que o que se fez ali pode ser visto depois, para confirmar se houve violência ou algum problema. Transparência, nos dias de hoje, deveria ser requisito básico. A gente convive hoje com câmeras em tudo o que é lugar. Depois de um tempo, nem se lembra.
A vigilância do trabalho por câmeras de segurança em sala de aula não encontra qualquer fundamento válido ou justificável, devendo ser considerada, de plano, inconstitucional e ilegal por se tratar de medida desarrazoada a ser tomada pelo empregador.
ÁTILA ROESLER
Juiz da Justiça do Trabalho
A pedido de GaúchaZH, o Sinpro forneceu o contato de três docentes do João Paulo I que teriam manifestado inconformidade com a presença das câmeras e que poderiam dar um depoimento – sob a condição de anonimato, para evitar represálias. Em dois casos, os profissionais atenderam, mas as ligações foram interrompidas nos primeiros instantes. A reportagem tentou contatá-los novamente, mas não conseguiu. No terceiro caso, apenas o Sinpro conseguiu fazer a ligação, mas o docente em questão não quis se pronunciar.
Decisão judicial
A discussão sobre o uso de câmeras nas salas de aulas ficou em evidência em 2013, quando o Colégio Província de São Pedro, de Porto Alegre, instalou 90 equipamentos nas suas dependências, motivando uma ação judicial do Sinpro.
Em 2014, a Justiça do Trabalho decidiu em favor do sindicato. Recentemente, veio uma nova sentença, desta vez favorável à escola, com o entendimento de que as câmeras não ferem a autonomia do professor. A direção do Sinpro recorreu, e o caso segue em trâmites.
Os pais e professores veem a câmera não como uma questão de vigilância, mas como segurança. Mesmo sendo uma escola particular, não estamos livres de furtos e de bullying. É um recurso de segurança para as famílias e também para os professores.
JOANA MADEIRA
Presidente da Associação de Pais e Mestres do João Paulo I
Cinco anos atrás, quando as câmeras foram instaladas, GaúchaZH consultou o Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS) sobre o assunto. O então presidente, Osvino Toillier, disse que a questão era delicada e reconheceu que a escola podia ter suas razões, mas posicionou-se contra a medida:
— Não sou favorável. Não devemos ocupar todos os lugares com vigilância. A sala de aula é o espaço do professor.
Nesta quarta-feira (5), a reportagem voltou a conversar com Toillier, hoje presidente em exercício do Sinepe/RS. Ele informou que a posição do sindicato é de respeitar a autonomia das instituições:
— Em tese, não somos nem contra, nem a favor. A escola, por razões de segurança, toma a decisão administrativa, e respeitamos, desde que a câmera não tenha áudio e que esteja voltada para os alunos, para a segurança deles, e não para o professor, para não inibi-lo.
Toillier rejeita, no entanto, a existência de câmera na sala dos professores, como, conforme o Sinpro, ocorria no João Paulo I:
— Particularmente, não vejo justificativa. Questiono o que se quer com isso. Não vejo procedência e justificativa.
Ao colocar as câmeras em locais de uso coletivo, não individual, está garantido que o que se fez ali pode ser visto depois, para confirmar se houve violência ou algum problema. Transparência, nos dias de hoje, deveria ser requisito básico.
MARCELO ZARDO
Pai de dois alunos do colégio
Também cinco anos atrás, GaúchaZH entrevistou sobre o tema Tania Marques, professora de psicologia da educação da Faculdade de Educação da UFRGS. Na época, ela mostrou-se firmemente contra a presença de câmeras, por entender que elas colocavam em risco a missão da escola de formar valores. Nesta quarta-feira (5), ao conversar de novo com a reportagem, Tania revelou ter modificado a forma de pensar ao longo dos anos, em decorrência do aumento da violência e do acirramento dos conflitos dentro das escolas.
— Naquele momento, me posicionei radicalmente contra, porque achava importante as pessoas aprenderem a se comportar sem que houvesse uma câmera vigiando. De lá para cá, deixei de ser tão radical. Não é o ideal, do ponto de vista pedagógico, mas a todo momento ocorrem situações de assédio, do professor para o aluno e do aluno para o professor. Neste momento de judicialização do ensino, de assédio, as câmeras servem para os dois lados. Sei que é difícil, que as pessoas se sentem invadidas e ameaçadas, por isso digo que é importante que seja algo discutido, negociado, com objetivos claros.