Um fenômeno invade os escritórios de advocacia. A pesquisa em sites ou arquivos de tribunais, etapa que precede a elaboração de uma ação judicial, tem sido cada vez mais praticada por ferramentas digitais.
– A digitalização, agora, coloca uma máquina que busca, via palavras-chave, decisões em todos os níveis do Judiciário, em todos os tribunais possíveis. Com isso em mãos, um advogado aumenta muito a chance de ser bem sucedido. Pode escolher até em qual tribunal ingressar com a ação – afirma Ana Campos, sócia da consultoria Grounds.
Sinal dessa virada no mundo do direito é o fato de um advogado colocar na lista de metas profissionais uma ida ao Vale do Silício, nos Estados Unidos. A região, localizada na Califórnia, é o solo sagrado da tecnologia. Lá ficam as sedes de empresas como Google, Facebook, Microsoft e Tesla. Neste ano, o advogado Gabriel Lopes Moreira, sócio da Cabanellos Advocacia, de Porto Alegre, foi fazer uma visita.
– Visitamos, além das gigantes, algumas legal techs (empresas dedicadas à inovação no direito). Mas, após ver o que estão fazendo lá, posso dizer que não estão distantes do que fazemos aqui, não – pondera Moreira.
Seu escritório tem uma área dedicada à criação de softwares. Um desses programas apresenta aos profissionais as demandas que são geradas e disparadas pelo sistema. Isso torna possível mensurar a execução das tarefas, ajudar quem estiver com dificuldade e multiplicar processos que funcionam. O objetivo é permitir que o advogado dedique mais tempo e energia ao que interessa: a atividade intelectual jurídica.
– Graças à informação reunida nesses cerca de 15 anos de atuação do escritório, conseguimos usar os dados acumulados para mostrar ao cliente as chances de êxito no momento em que cadastramos um processo. Se as chances forem baixas, apontamos o acordo como melhor caminho, com resolução rápida e custo menor e satisfação para todos – conta.
Trabalhando com a máquina
Embora algumas profissões corram risco, outras são redescobertas. Áreas como advocacia, contabilidade e mercado financeiro veem robôs assumirem determinadas funções, mas passam a ter outros serviços – mais desafiadores.
Em um escritório de contabilidade, até pouco tempo atrás, exércitos de contadores dedicavam horas para recolher notas fiscais e extratos emitidos por bancos para certificar que as contas dos clientes estavam protegidas de fraudes. Agora, softwares fazem o trabalho em segundos.
– Esse é um caminho sem volta – afirma Carlos Miyahira, sócio da Grounds, consultoria especializada em áreas como contábil, tributária e financeira.
Empresas de capital aberto, que exigem precisão na análise contábil, e escritórios que atendem grandes companhias, que geram muitos dados, reduziram a um terço suas equipes de contadores.A boa notícia é que vagas de perfil mais analítico tendem a aumentar. Os programas até dizem se a empresa tem descontado corretamente os impostos, mas não conseguem analisar gastos e compará-los aos dos concorrentes.
– Antes, o contador não tinha tempo para fazer esse tipo de análise. Agora, com a automatização de tarefas mais simples, ele pode e deve aprender a fazer isso – explica o contador Flávio Ribeiro.
Carlos Rodrigo Schwartz Fraga começou a trabalhar na área quando os escritórios ainda eram tomados por guarda-livros – técnicos que organizavam manualmente documentos e contas. De 1998 para cá, as declarações de Imposto de Renda via disquete caíram em desuso, e o cálculo de tributos deixou de ser o serviço mais sofisticado das firmas contábeis.
Agora, ele corre à frente de uma nova onda: a inteligência contábil. Fraga é responsável por analisar os dados que são calculados por softwares e lançados em balanços, para pinçar informações que possam ser cruciais aos clientes. Avalia, por exemplo, se algum departamento aumenta muito os gastos com pessoal, ou quanto a empresa gasta com suas linhas de telefone, ou se há algum número que indique um alerta no fluxo de caixa.
– Os clientes querem contabilidade como ferramenta para tomar decisões. Se oferecermos só o cálculo do imposto, seremos substituídos por softwares – diz.
Para se manter competitivo, Fraga não se acomoda: uma vez por mês, ele e a equipe realizam dias inteiros de reuniões e apresentação de cases para avaliar como trazer mais tecnologia ao escritório. Em média, faz três ou quatro cursos por ano, que abordam de questões técnicas, como adequação a normas internacionais, até as novidades da tecnologia da informação que podem servir à contabilidade.
– Sei que em breve as máquinas vão conseguir fazer também o que faço hoje. Tenho que estar um passo à frente.
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