Pensar fora da caixa, correr riscos, ganhar o mercado global com soluções criativas. Após três meses vivendo essas premissas e incorporando a lógica do Vale do Silício, duas empresas gaúchas se preparam para fixar endereço na Califórnia (EUA), a poucos quilômetros de gigantes da inovação como Google ou Facebook.
Com idades um pouco acima da média dos típicos empreendedores de startups, Mauro José de Souza, 52 anos, da Horacius Securitty Sistemas, e Bruno Prisco Junior, 48 anos, da Lexsis, conseguiram levar suas empresas para o ecossistema tecnológico mais fervilhante do mundo.
Recém chegados de uma missão do Sebrae, que levou empresários para vivenciar a realidade americana para os negócios, os dois trouxeram na bagagem a notícia que faz brilhar os olhos de 10 em cada 10 empreendedores: encontraram investidores. Mesmo guardando segredo, eles voltaram com boas perspectivas de parcerias e negociações.
Mauro José de Souza, da Horacius Securitty Sistemas
Foto: DIEGO VARA
No centro dos negócios deles estão soluções para problemas do cotidiano de pessoas ou empresas. Imagine, por exemplo, que em uma sexta-feira à noite você sai para dar uma volta e tem em mãos uma ferramenta que lhe mostra quais as baladas mais frequentadas - inclusive pelos seus amigos. Essa é a proposta do Beat, aplicativo que tem 4 mil usuários na Capital.
Bruno Prisco, da Lexsis
Foto: DIEGO VARA
Quando chegar a 10 mil cadastros, o app será ainda mais atraente para investidores. Até lá, a grana vem de bares e restaurantes citados no app (são 16 atualmente), banners de propaganda e percentuais de transação emitidos quando alguém paga a conta usando o serviço. Esse é o negócio que permitiu à empresa de Prisco o salto internacional.
Do escritório no bairro Moinhos de Vento, ele controla os 1,7 mil clientes usuários de outros sistemas de software pelo país enquanto o colega Thomas Delgado Dias trabalha em uma sala com computador e internet dentro da Rocket Space, aceleradora de negócios no centro de San Francisco, na Califórnia. Em breve, uma versão americana do app será lançada. Enquanto isso, as contas são pagas com a prestação de serviços.
- Lá é a Las Vegas dos empreendedores. Tudo acontece o tempo todo em encontros de negociação. Os investidores colaboram para o seu projeto dar certo. Também impressiona como o erro é valorizado. Aqui, somos tachados de incompetentes. Lá, é o contrário - afirma Prisco.
A pressa de converter a boa ideia em lucro tem uma explicação: manter um funcionário na Califórnia é caro para os padrões brasileiros. Custa US$ 10 mil por mês (US$ 2 mil para o aluguel, US$ 1 mil para o plano de saúde, além de salário, alimentação e despesas extras). O prazo colocado para o lucro aparecer é de um ano. Por ora, Prisco agiliza a leitura e o preenchimento dos termos jurídicos em um calhamaço de 60 páginas em inglês, para formalizar o contrato. Enfrentar essa tarefa, segundo ele, não é para amadores.
- Devemos estimular o empreendedorismo, mas precisamos fazê-lo de forma responsável, preparando os jovens para perseverar. Há uma visão otimista por parte dos iniciantes. Muitos se enchem de expectativas por falta de preparo para os desafios que encontrarão - diz Prisco.
Um longo caminho
Formado em informática com especialização na mesma área, Mauro José de Souza identificou que o produto de gestão de direitos, consagrado pela Horacius Securitty Sistemas, traz uma solução considerada diferenciada para o cenário americano. A empresa figura no quadrante mágico do Gartner (centro mundial de pesquisa em tecnologia sediado nos Estados Unidos que aponta tendencias de mercado). Segundo Débora Chagas, do Sebrae, o destaque representa um reconhecimento da qualidade da solução oferecida:
- É a maior referência em tendências de tecnologia de inovação. Estar lá é ser, também, uma referência de mercado.
Ao ver o interesse de investidores, Souza sentiu o mercado aberto e decidiu aproveitar a oportunidade. O fato de estar na Flórida há quatro anos para atender empresas facilitou a adaptação à nova cultura:
- Vimos que existem clientes, agora o plano é reforçar o investimento e ampliar os mercados - afirma o empresário.
Na prática, o produto de Souza controla direitos de acesso em sistemas e redes de empresas como o jornal O Estado de S. Paulo ou o buscador Buscapé. Com 50 clientes, ele conta que o salto veio desde que estabeleceu parcerias com fabricantes estratégicos, principalmente fora do Brasil. Estar mais perto deles, agora, ajudará a alavancar o negócio.
- A decisão de ir para lá foi tomada, agora temos de lidar com custo. O Vale é um lugar caro para viver, mas ficando na Califórnia se tem acesso a todos os recursos sem o mesmo gasto - afirma o gaúcho que está de mudança para San Diego.
A permanência no Vale do Silício tem alto custo para as empresas brasileiras, principalmente as iniciantes. Por três meses, o programa do Sebrae em parceria com Outsource Brasil e GSV Labs cobriu 85% dos custos de permanência de empresas como a Lexsis e a Horacius (o valor total é R$ 70 mil).
- Estar no Vale é abrir uma porta para qualquer mercado do mundo. Vimos boas oportunidades de médio prazo e parcerias - afirma Débora.
Chimarrão no Silício
A presença de gaúchos não é algo novo no Vale do Silício. Nos últimos 20 anos, dezenas de empreendedores do Estado ensaiaram voos por lá, para cursos, eventos ou negócios temporários. Poucos permaneceram por conta própria.
Um deles é o engenheiro elétrico de Tapejara Joni Girardi. Nos EUA desde 1995, assumiu os negócios da Altus Sistemas de Informática na Flórida e depois abriu a DataSelf Corp, focada na venda de soluções de análise e inteligência de mercado para empresas de médio porte. Nesse período, percebeu a mudança no perfil dos brasileiros com quem faz negócios:
- Eu conheci vários gaúchos empresários aqui, mas a maioria estava apenas visitando e procurando oportunidades. Os que moram estão trabalhando em companhias de alta tecnologia. Havia certo atraso do que vinha pra cá em relação à tecnologia de ponta deles, mas a diferença agora praticamente sumiu. Os brasileiros estão trabalhando no mesmo nível.
Coordenadora do programa de TI e Startups do Sebrae, Débora Chagas explica que alcançar esse patamar foi fruto de muito esforço para as empresas. Programas de aceleração, como o do Sebrae, ou iniciativas de parques tecnológicos como Tecnopuc e o Tecnosinos, ajudam a melhorar a qualidade e a entrega desses projetos. Segundo Débora, tanto a Horacius quanto a Lexsis trabalham há vários anos com foco em internacionalização.
"O ideal é começar de um problema real"
Com o objetivo estimular a troca de experiências entre os empreendedores gaúchos (inclusive os que têm negócios fora do país), Thomás Capiotti, 25 anos, está à frente da recém-criada Associação Gaúcha de Startups (agstartups.net). O propósito da entidade é catalogar iniciativas existentes no Sul e otimizar a aproximação entre elas. Nascido há menos de um mês, o site da entidade não conseguiu catalogar ainda quantas startups existem no Estado, "já que elas surgem e morrem muito rápido", segundo Capiotti. Com as duas empresas que criou (ON Security, na área de segurança da informação, e Softruck, sobre inteligência e monitoramento de frotas), ganhou três prêmios em competições mundiais de startups.
Como ser competitivo nesse cenário tão competitivo?
Em vez partir de uma solução, o ideal é começar de um problema real da sociedade. Outra dica é fazer projetos baseados em métricas, dados e estudos. Também se pode pensar em problemas de empresas para, então, construir um modelo de negócio imbatível e escalável.
O que significa ser escalável?
Uma empresa com pouco tempo de vida e alto potencial de crescimento.
Como conquistar investidores em um pitch?
Tem de saber não só passar a mensagem, pois a comunicação também é tudo aquilo que o outro entende. Focar no benefício do produto e fazer uma apresentação que emocione. Além de passar a mensagem, aproximar a plateia do que está falando em um curto espaço de tempo. Também chamamos de "pitch de padaria". Pense em você na fila do pão e sem muito tempo para dizer o que faz. Deve ser focado, usar as palavras certas.