Depois de mais de quatro horas de negociação, a direção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e estudantes ligados ao movimento negro chegaram a um acordo, na tarde desta sexta-feira (16), para encerrar a ocupação da Reitoria da universidade.
Os alunos começaram a desocupar o prédio logo após o fim da audiência e, por volta das 18h, o saguão já estava quase totalmente vazio. Em contrapartida, a universidade vai publicar uma nota técnica retificando as regras para verificar se candidatos aprovados como cotistas raciais no último vestibular realmente têm direito às vagas. A ocupação da Reitoria já durava desde o dia 7.
O acordo foi firmado durante uma audiência de conciliação na Justiça Federal. A UFRGS concordou em aumentar de cinco para 10 o número de integrantes da comissão que analisa os recursos apresentados por alunos, sendo que os cinco membros adicionais serão indicados pelo movimento negro, e em deixar claro que o critério para definir se alguém tem direito às cotas é o fenótipo (ou seja, as características físicas negroides).
A polêmica explodiu em fevereiro, quando a universidade publicou portarias que estabeleciam os critérios para avaliar os candidatos que entrassem com recursos, depois de terem sua autodeclaração rechaçada na Comissão Permanente de Verificação da Autodeclaração Étnico-Racial, onde é analisado o fenótipo. O regramento determinava que, no recurso, o aluno, para ser considerado negro, poderia apresentar documentação demonstrando que seus pais ou avós eram pretos ou pardos (que formam o grupo negro). Para os críticos, a norma desconsiderava a fenotipia e escancarava a porta para as fraudes, legalizando a entrada de brancos pelas cotas raciais. Em protesto, 10 dos 17 membros da comissão de verificação da autodeclaração pediram seu desligamento.
O caso foi parar na Justiça depois de a universidade encaminhar um pedido de reintegração de posse da Reitoria, ocupada pelos estudantes ligados ao movimento negro. Na audiência de conciliação, iniciada às 10h desta sexta-feira, o reitor Rui Vicente Oppermann propôs editar uma nota técnica explicando e retificando os termos da portaria controversa.
Discussões
Depois de longas discussões, farpas, recriminações e perdas de paciência de ambos os lados, chegou-se a uma solução por volta das 14h20min. A UFRGS propôs dobrar o tamanho da comissão de recursos, permitindo que as cinco novas vagas sejam indicadas pelo movimento negro da UFRGS, com dois dos lugares reservados a estudantes da graduação e outras três a não discentes.
— Estamos dando empoderamento ao movimento negro, que antes não havia — argumentou o reitor, na tentativa de convencer os representantes dos alunos.
A nota técnica também explicitará que o fenótipo é o critério primordial para definir se um candidato é negro ou não e que a documentação apresentada não substituirá a presença do fenótipo no candidato, servindo apenas para ajudar a dirimir dúvidas. A UFRGS concordou também em desconsiderar uma passagem em que se referia ao direito de "pardos indígenas", conceito que os críticos disseram não existir, e em que o reitor tenha de fundamentar suas decisões com relação aos pareceres da comissão de recursos.
Estamos dando empoderamento ao movimento negro, que antes não havia
RUI VICENTE OPPERMANN
Reitor da UFRGS
O acordo também definiu que os critérios definidos na audiência sejam considerados nos casos das averiguações de alunos já matriculados e investigados por suspeita de fraudar as cotas. Com anuência da universidade, a juíza Ana Inês Latorre concordou em retirar do processo o nome de alunos envolvidos na ocupação. Eles manifestaram o temor de que serem citados pela UFRGS na ação de reintegração de posse poderia trazer-lhes prejuízo.
— O reitor criminalizou o movimento negro. Fomos citados nominalmente no processo, o que pode significar sermos barrados no mercado de trabalho no futuro — criticou o estudante de administração pública e social Cilas Machado.
Durante a audiência, ficou evidente a preocupação da universidade em chegar logo a um acordo, por causa do efeito que a ocupação gerou na rotina administrativa da instituição. Segundo a universidade, a permanências dos alunos significaria não poder rodar a folha de pagamento de professores e funcionários, não pagar pensionistas, não poder dar continuidade a processos como a compra de alimentos para os restaurantes universitários e não poder realizar a tempo matrículas pendentes.
— Não tem mais nenhuma razão para continuar a ocupação. Peço encarecidamente — apelou Oppermann, que aceitou fazer várias revisões na nota técnica proposta pela UFRGS, até contentar os estudantes.