Os negros sofrem mais com o desemprego, ocupam trabalhos piores e têm remuneração mais baixa, aponta a Pesquisa Emprego e Desemprego na Região Metropolitana de Porto Alegre, divulgada na manhã desta terça-feira (14) na sede da Fundação de Economia e Estatística (FEE).
Nada de novo até aí. Essa discriminação no mercado de trabalho já havia aparecido em edições anteriores do levantamento. A novidade é que, com a recente crise econômica, quem já estava em desvantagem ainda teve de amargar a piora mais significativa. Do ano passado para cá, a população negra perdeu mais emprego e mais renda do que os não negros.
Conforme a pesquisa, o desemprego entre os negros aumentou 27,8% entre 2015 e 2016, contra um incremento de 22,2% no restante da população. A taxa passou de 12,6% para 16,1% em apenas um ano. Enquanto isso, entre não-negros, registrou-se um patamar mais baixo, com o desemprego crescendo de 8,1% para 9,9%.
A queda na renda dos ocupados também foi generalizada, mas abocanhou mais recursos dos afrodescendentes. A renda média dos negros, que já era mais baixa, caiu 10,1% ( de R$ 1.652 para R$ 1.486). Entre os não negros, a queda foi de 8,1% (de R$2.203 para R$ 2.025).
Os dados alarmaram os pesquisadores porque revelaram um aumento da desigualdade racial no mercado de trabalho. Apesar de historicamente apresentarem indicadores piores, os negros haviam conseguido reduzir as diferenças ao longo da década passada, durante o bom momento econômico do país. Com a recessão, o processo se inverteu.
— Olhando para os anos 2000, estávamos na direção de uma redução das desigualdades nas taxas de desemprego. Em 2016, o que se viu é que houve um aumento no desemprego para o total da população, porém a intensidade desse crescimento foi mais maior para a população negra. O mesmo aconteceu com a renda. Os negros já têm uma inserção mais precária no mercado de trabalho. Nestes último anos, os poucos que estavam ocupando postos de trabalho de melhor qualidade foram perdendo a sua ocupação. O mercado de trabalho em 2016 acabou expulsando com mais intensidade a população negra do que o restante — observa Iracema Castelo Branco, supervisora do Centro de Pesquisa de Emprego e Desemprego da FEE.
Com a precarização, caiu bastante a proporção de negros ocupados que contribuem para a Previdência Social (de 82,6% para 77,5%), enquanto entre os não negros a redução foi menos significativa (84,6% para 83,8%). A pesquisa também mostrou que a população afro se concentra em ocupações menos valorizadas: 71% está na construção ou nos serviços. De cada cinco mulheres negras, uma é doméstica, índice duas vezes maior do que o registrado entre as não negras.
De forma geral, é entre a população negra feminina que se registram os índices mais negativos. Mesmo um dado que à primeira vista poderia parecer bom (a queda de rendimento entre essas mulheres foi a menor, em comparação com a dos demais negros e dos não negros) esconde uma realidade incômoda.
— Elas tiveram queda menos intensa porque tinham o rendimento médio balizado pelo salário mínimo. A perda é menor porque já estão no piso e dali não tem como reduzir — explica Iracema.
Realizado com base em entrevistas domiciliares, a pesquisa foi apresentada pela FEE, em conjunto com a Fundação Gaúcha de Trabalho e Ação Social (FGTAS) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Os participantes esperam que os dados levantados ajudem a nortear políticas públicas que colaborem para a inclusão racial no mercado de trabalho.
— A pesquisa mostra que se solapa o futuro da população negra do ponto de vista econômico. Trazer esses números tão dolorosos à luz tem um objetivo: desenhar cada vez mais o interdito ao racismo na sociedade em que vivemos e no mercado do trabalho. Serve para trazer, denunciar e esclarecer isso — afirmou Lúcia dos Santos Garcia, do Dieese.
Kleber Rocha, da comissão da verdade sobre a escravidão negra da OAB-RS, louvou a iniciativa:
— É fundamental que esse tipo de levantamento seja materializado, que os pesquisadores se envolvam com essa pauta, para que a gente possa ter elementos objetivos com relação à população negra. Se existe compreensão sobre a defasagem entre negros e não negros, é possível pensar em estratégias que deem conta dessa disparidade. Sem as informações, a tendência é que o mercado mantenha a mesma trilha e e que o distanciamento entre os segmentos negros e não-negros só aumente.
Durante a apresentação dos dados, representantes de diversas entidades fizeram apelos para que o governador José Ivo Sartori reveja a intenção de extinguir a FEE.