Por muito anos, no Brasil, desigualdade era uma expressão corriqueira. Particularmente no período de inflação galopante, observávamos com muita apreensão o país ocupar as primeiras posições no globo em termos de desigualdade. Mais do que isso, tínhamos uma sensação muito clara desta desigualdade, que vinha combinada com níveis consideravelmente mais elevados de pobreza.
Atualmente, estamos passando por uma onda de debates políticos e ideológicos que parece estar colocando a desigualdade em segundo plano, como se ela fosse um sintoma menor no contexto dos problemas de desempenho econômico do país, como se ela fosse apenas uma consequência e nunca atuasse como causa. Esta nossa desatenção foi apontada, inclusive, pela diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, no Fórum Econômico Mundial, em debate do qual participava o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.
Lagarde sublinhou a necessidade de combatermos diretamente a desigualdade como condição para a retomada do crescimento de mais longo prazo. E esta alfinetada não me parece estar fora de contexto: parte significativa da Europa, durante a crise enfrentada nos últimos anos, descuidou-se deste tópico. Hoje, relatórios da OCDE, como o Income Inequality Update, vêm sinalizando níveis recordes de desigualdade em países como a Espanha. E alguma luz amarela já acende por lá.
A resposta de Meirelles, na ocasião, está associada ao que paira nas discussões cotidianas sobre o tema: que a classe média brasileira cresceu muito nos últimos anos, mas agora encolhe em função da crise, o que acaba se refletindo nas medições de desigualdade. Assim sendo, temos que retomar o crescimento em um primeiro momento – o que passa por um ajuste fiscal forte. Restabelecer a dinâmica econômica seria a questão central.
No contexto do debate atual, a desigualdade na distribuição de renda figura como espelho da alocação de fatores, unicamente. No entanto, existem efeitos diretos da desigualdade sobre a própria recuperação da dinâmica econômica. A sustentabilidade do crescimento só é alcançada com melhor distribuição de renda. Há 50 anos, Delfim Neto defendia que era preciso fazer o bolo crescer primeiro para depois dividir. A história, todos sabemos, mostrou que isso não funcionou bem assim.