No ano passado, a renda média da agropecuária, calculada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), avançou R$ 23 no país, de R$ 1.905 para R$ 1.928. No caminho inverso, no Rio Grande do Sul houve retração de R$ 630, de R$ 3.635 para R$ 3.005. Esse é um dos efeitos do período de estiagem na primeira metade do ano e do excesso de chuva no segundo semestre.
Com os lucros da pequena propriedade de um hectare que mantém com o marido, a mãe e os dois filhos, no distrito de Águas Claras, em Viamão, dizimados pela estiagem de 2022 e o excesso de chuvas no ano passado, Geri Adriani de Vargas teve de encontrar alternativas para suprir a redução de 40% verificada nas receitas familiares.
Ela e os familiares concluíram nos últimos 24 meses alguns cursos oferecidos pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS) voltados às boas práticas de fabricação. A meta é aumentar o nível de profissionalização da produção de hortifrutigranjeiros orgânicos e de beneficiamento dos itens.
Na área, onde predomina o plantio de moranguinhos e laranjas, a diversificação ganha terreno e inclui, agora, a mandioca, a alface, a couve, a rúcula e a abobrinha.
— Na produção em escala, há agrotóxicos que ajudam a proteger a produtividade. Nos orgânicos, que é o nosso caso, os produtos ficam mais expostos e as perdas são maiores — lamenta, ao lembrar que a retração da renda ocorre, sobretudo, pela dificuldade de repassar o custo extra aos consumidores, uma vez que os produtos orgânicos já possuem preços mais elevados.
Diante do cenário, a ideia, comenta, é agregar valor aos itens e tentar ampliar os rendimentos. Uma mandioca torta, por exemplo, é menos atrativa, mas se já estiver descascada, cortada e embalada terá maior apelo no mercado, explica.
Descobrir novas maneiras para tratar a produção é o desafio que Geri busca superar. Seja nas frutas e vegetais processados ou no plantio da matéria-prima da agroindústria, a olericultura (exploração de muitas espécies de plantas e hortaliças) implantada a partir da profissionalização gratuita oferecida pelo Senar-RS fazem parte da nova gestão e ajudam a contornar e atacar as perdas climáticas na raiz do problema, argumenta.
— É preciso trabalhar mais para tentar reequilibrar as finanças — acrescenta enquanto realiza a limpeza das mudas e descarta os morangos que, mais uma vez, estão em dificuldade de floração.
Acesso ao mercado formal amplia salários e benefícios
A formalização é um dos aspectos que favorece a recente ampliação da renda renda no país. No último ano, entre janeiro de 2022 e 2023, o estoque de vagas medidos pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), divulgado pelo Ministério do Trabalho, aumentou em mais de 1,6 milhão – de 44.388.924 para 45.991.889, o maior volume em uma década.
Desse total, o percentual com carteira assinada chega a 85%, com 40.720.346 vagas regidas pela CLT, o que ajuda o poder de compra das famílias. Para se ter uma ideia, em 12 meses (entre janeiro de 2022 e 2023), o salário médio real, ou seja, que já desconta a inflação, avançou 5,42%, de R$ 2.023,48 para 2.133,21.
O acréscimo de R$ 109,73 registrado no país, outra vez, não se repete no Rio Grande do Sul, onde a alta foi mais contida: 0,83%, ou R$ 15,79, passando de R$ 1.898,86, em 2022, para R$ 1.914,65, em 2023. Ainda assim, a segurança dos mais de 2,8 milhões de gaúchos em ocupações formais faz toda a diferença.
É o que diz a uruguaianense Cris Scolari. Depois de seis anos por conta própria, ela retornou ao mercado de trabalho no início deste ano. A decisão de empreender em um pequeno negócio de revenda de roupas em casa, tomada em 2018, foi revisada após ingressar no curso de Administração no Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac-RS).
A formação é considerada por ela “fundamental” para mudar a percepção do mercado e de sua atividade profissional. Hoje, está com a carteira assinada, contratada por uma empresa de telefonia, na Fronteira Oeste do Estado.
— Ultimamente, as pessoas romantizam muito o empreendedorismo. Só que na prática não é bem assim, precisa planejamento e capital de giro. No meu caso, as vendas aconteciam, mas tive que buscar conhecimento no Senac para administrar e acabei me redescobrindo e voltando a trabalhar formalmente no comércio, desta vez, em um ramo diferente do que estava acostumada — comenta.
Agora, Cris comemora o fim das incertezas com as quais conviveu nos mais de 70 meses em que atuou na condição de autônoma. A renda permanente, contabiliza, aumentou 60%, mas em períodos de melhor performance das comissões por venda supera em duas vezes à que obtinha quando estava à frente de sua micro-empresa, diz. Além disso, lembra que benefícios como os auxílios para alimentação e combustível de deslocamento ajudam a preservar o orçamento da família formada ao lado do marido e dos dois filhos do casal.
O que explica a tendência de aumento da renda no país
Economistas e estatísticos consultados por GZH apontam a tendência de aumento da renda. O principal fator destacado é o aquecimento do mercado de trabalho, cuja taxa de desocupação atualmente está em 7,4% no país e 5,4% no Estado, muito próximas em ambos os casos das menores médias históricas. Na esteira do desempenho, existem pelo menos quatro elementos que ajudam a explicar o atual cenário
- Retorno da política salarial com aumento real: em 2023, o governo federal retomou os reajustes salariais acima da inflação. Em 2024, o valor subiu para R$ 1.412, após elevação de 6,97% sobre o vigente em 2023, que era de R$ 1.320. Movimento semelhante ocorreu no ano anterior, quando o piso foi estabelecido com reajuste de 8,9% sobre os R$ 1.212 praticados em 2022. A inflação teve elevação menor (e 4,62%, em 2023, e 5,79%, em 2022). Além dos efeitos diretos na renda dos trabalhadores, existem os indiretos, uma vez que o salário mínimo é referência de remuneração para aposentadorias, planos de previdência e Benefício de Prestação Continuada (BPCs), fatores que contribuem com o aquecimento do consumo, o que também ajuda a gerar demanda por mais vagas de trabalho.
- Alta dos gastos públicos em programas sociais: os programas de transferência de renda, a exemplo do bolsa família, não são usados para a composição da renda do trabalho, mas influenciam a renda per capita das famílias. De uma forma ou de outra, injetam recursos na economia e favorecem o cenário de consumo, o que a exemplo do que acontece com a política de aumento real para o salário mínimo, turbina o cenário de consumo e aumenta a demanda por mão de obra no mercado de trabalho. Nesse aspecto, em 2022, houve um pacote de bondades que elevou os pagamentos do Bolsa Família. Em 2023, no início do atual governo, os programas sociais foram redesenhados e houve a inclusão de renda adicional por quantidade de filhos, o que também ampliou o volume dos repasses federais.
- Novo ciclo de redução da taxa de juros: depois de 12 meses no patamar de 13,75% ao ano, a taxa Selic, que norteia as operações de crédito no país, iniciou nova trajetória de baixas, em agosto do ano passado. No momento, está fixada pelo Banco Central em 10,75%, com perspectiva de deixar os dois dígitos para trás ainda este ano. Juros mais baixos favorecem o cenário de investimentos para ampliação da produção nas empresas. Na outra ponta, estimula o crédito pessoal. Ainda que o crédito não seja contabilizado como renda, também cumpre a função de aquecer o consumo. Ao concluir esse ciclo, influencia positivamente a atividade econômica.
- Maior formalização do mercado de trabalho: os dados da Pnad Contínua mostram o aumento sustentado do rendimento médio do trabalho no Brasil. Além da desaceleração da inflação, há avanços no trabalho formal. Ocupações formais têm rendimentos médios maiores do que as informais. Essa migração de pessoas já ocupadas da informalidade para a formalidade contribui com o rendimento médio real. Para ilustrar, a participação no total do emprego formal cresce acima da média, com destaque ao emprego no setor privado com carteira assinada (alta de 4% em 2023 e correspondendo a 37,4% do total de ocupados no ano passado). Empregos com carteira assinada também elevaram o rendimento médio, uma vez que o mercado de trabalho mais apertado possibilita maiores salários de contratação. Da mesma forma, a inflação baixa (e taxas de desocupação baixas) aumentam a pressão por aumentos salariais reais nas negociações coletivas.