Cinco anos após as primeiras autorizações de funcionamento emitidas pela Receita Federal, os free shops de fronteira terrestre têm desempenho animador em Uruguaiana. Os números falam: a cidade gaúcha soma a maior quantidade de lojas francas abertas no país, à frente de Foz do Iguaçu (PR). Em 2023, 40% do volume de vendas em free shops de fronteira terrestre no país foi realizado em Uruguaiana, contra 60% do restante de todas as cidades do Brasil com operações instaladas.
O município, de 117 mil habitantes, adotou o slogan “Capital dos Free Shops” e sonha deixar no passado a depressão econômica, comum à distante Fronteira Oeste, desindustrializada e excessivamente dependente da agricultura e da pecuária. Para o futuro, a meta é consolidar Uruguaiana como destino turístico de compras e criar um flanco de desenvolvimento regional.
Os gaúchos estão acostumados há mais de três décadas a frequentar de turma os free shops de Chuy, Rivera e Rio Branco, todos no Uruguai, em busca de produtos de marcas famosas a preços mais baratos, o que se torna possível pela isenção de impostos de importação.
Não existe um levantamento oficial, mas lideranças políticas e empresariais de Uruguaiana concordam que grande parte da população ainda não sabe que lojas semelhantes às de Rivera podem ser encontradas no Rio Grande do Sul.
— Nossa maior missão é fazer todas as pessoas saberem que Uruguaiana tem free shop. Temos trabalhado em várias frentes, ainda engatinhamos, mas estamos no caminho certo — diz o prefeito Ronnie Mello.
A instalação de free shops nas fronteiras terrestres, em cidades brasileiras que sejam gêmeas a municípios estrangeiros, é permitida por uma lei de 2012, regulamentada em 2018. As normas asseguram isenção de todos os impostos de importação de mercadorias e, na venda, as empresas pagam apenas o PIS, o Cofins e um percentual sobre a receita bruta para o Fundaf. Essa última obrigação é um ressarcimento à Receita Federal pelos custos administrativos de fiscalização dos empreendimentos, o que é feito em tempo real via sistemas integrados de informática.
O arcabouço tributário auxiliou a abertura de 33 lojas francas no Brasil até o momento, 10 delas em Uruguaiana, abarrotadas de mercadorias de marcas como Dior, Columbia, Lacoste e Tommy Hilfiger. Para os próximos meses, estão previstas as inaugurações de mais quatro free shops na cidade.
— Vivemos em uma região um pouco esquecida, afastada. Costumo dizer que o free shop veio para atender uma isonomia de mercado. Ele existe do lado dos uruguaios, mas nós não tínhamos. Eles se beneficiavam sozinhos do turista brasileiro — diz Thiago Salman, diretor comercial do Central Free Shop.
Esse é um diferencial das lojas do Brasil: os nacionais podem comprar lá e, ao menos em Uruguaiana, são os maiores clientes. O dinheiro dos brasileiros fica aqui, defendem os empresários. Salman é de uma família de Uruguaiana que tem atuação no comércio convencional e ampliou as operações para as lojas francas. Dos 10 estabelecimentos operantes da cidade, nove são de famílias uruguaianenses e apenas um, o Dufry Duty Free, é de uma rede internacional. Atualmente, as unidades garantem 500 empregos diretos.
Costumo dizer que o free shop veio para atender uma isonomia de mercado. Ele existe do lado dos uruguaios, mas nós não tínhamos. Eles se beneficiavam sozinhos do turista brasileiro.
THIAGO SALMAN
Diretor comercial do Central Free Shop
Nas principais operações, como o Central e o Bah Free Shop, o consumidor vai encontrar o típico ambiente de luxo das lojas francas. Artistas como Natalie Portman, Angelina Jolie, Julia Roberts e Johnny Depp estampam, com apelo sexual, painéis luminosos de propaganda de perfumes importados. Encontra-se bebida de qualidade e charuto para acalentar a luxúria, eletroeletrônico para equipar a casa e chocolate suíço para atiçar o paladar.
Tudo a preço mais baixo devido às isenções. Os empresários acrescentam que os free shops brasileiros vendem na moeda nacional, o Real, o que dispensa pagamento da taxa IOF. Outra vantagem é a possibilidade de parcelar no cartão de crédito em 12 vezes. Nos tradicionais free shops uruguaios é necessário pagar em um talagaço só, o que pode causar embrulhos no recebimento da fatura. Neste aspecto, os empresários defendem a visão de que os estabelecimentos brasileiros “cabem em todos os bolsos”.
— Muita gente aqui vive no meio rural. A maioria nunca viajou de avião ou para fora do país. Certo dia, uma senhora entrou aqui e brilharam os olhos dela por ter visto os perfumes da Julia Roberts. Ela só via na TV e ela podia, agora, comprar. Isso é empoderamento social e inclusão — afirma o empolgado Paulo Pavin, CEO do Bah Free Shop.
Superação da desconfiança
Os empresários uruguaianenses acreditam ter vencido o receio que marcou a abertura dos negócios. Havia temor de que eles quebrariam o comércio tradicional.
As lojas francas da cidade estão posicionadas na região central. Os empreendedores apontam um aumento do fluxo de turistas que acaba respingando positivamente em todos. Em frente ao Bah Free Shop opera o Shopping Baixada, tradicional estrutura que lembra um camelódromo de pequenos comerciantes. Nesse espaço, que funciona há mais de 20 anos, a reportagem ouviu os relatos de duas microempresárias, ambos coincidentes com a versão dos donos de lojas francas.
— Vem gente de fora, principalmente no final de semana. Da Argentina e de outras regiões do Brasil. Traz mais gente para conhecer e circular. Vão ali (free shop) e vêm aqui (camelódromo). É outro tipo de mercadoria, não somos concorrentes — diz Amazilia Rocha, vendedora de roupas há 40 anos na Fronteira Oeste.
Distância ainda é desvantagem
Uruguaiana fica distante mais de 600 quilômetros de Porto Alegre. Uma viagem de cerca de oito horas pela estrada. Essa é uma desvantagem. Partindo da Região Metropolitana, é mais perto ir ao Chuy, Rio Branco e Rivera.
Para contornar o obstáculo, empresários estão requerendo investimentos em infraestrutura para melhorar as estradas. Outro ponto de expectativa é a obra do aeroporto de Uruguaiana. A intervenção, realizada pela concessionária CCR Aeroportos, vai ampliar a área construída de 900 metros quadrados para aproximadamente 2 mil metros quadrados. A conclusão está prevista para novembro de 2024. Hoje, o terminal recebe voos diários de Porto Alegre, em aeronaves de 70 assentos. Finalizada a expansão, o desejo é atrair voos diretos de São Paulo, em boeings para 170 passageiros.
Outro ponto em que Uruguaiana busca evoluir é o cardápio turístico. Mesclar compras e programações que tornem a experiência mais completa. O plano da prefeitura para alargar o leque inclui a qualificação da orla do Rio Uruguai, com a idealização de opções gastronômicas e de lazer, além de visitas a vinícolas e turismo rural.
Volume de negócios nos free shops de fronteira terrestre de Uruguaiana*
2019
- Quantidade de vendas - 79.081
- Valor total de vendas - U$ 2.940.428,80
2020
- Quantidade de vendas - 300.034
- Valor total de vendas - U$ 8.807.955,69
2021
- Quantidade de vendas - 404.376
- Valor total de vendas - U$ 13.222.762,36
2022
- Quantidade de vendas - 532.786
- Valor total de vendas - U$ 20.264.713,69
2023
- Quantidade de vendas - 598.351
- Valor total de vendas - U$ 25.833.108,70
Volume de negócios em todos os free shops de fronteira terrestre no Brasil*
2019
- Quantidade de vendas - 94.179
- Valor total de vendas - U$ 3.352.994,79
2020
- Quantidade de vendas - 372.453
- Valor total de vendas - U$ 13.214.728,78
2021
- Quantidade de vendas - 899.856
- Valor total de vendas - U$ 34.320.607,60
2022
- Quantidade de vendas - 1.191.967
- Valor total de vendas - U$ 48.331.259,14
2023
- Quantidade de vendas - 1.490.252
- Valor total de vendas - U$ 65.745.388,88
*Fonte: Receita Federal
Número de operações de compra por cidade de origem nos free shops de Uruguaiana**
O ranking se refere às vendas de 2022, excluindo aquelas feitas para residentes de Uruguaiana
- Alegrete - 11.195 operações
- Porto Alegre - 8.035 operações
- Itaqui - 7.038 operações
- Santa Maria - 7.024 operações
- São Borja - 6.852 operações
- Clientes estrangeiros - 5.936 operações
- Quaraí - 4.321 operações
- São Francisco de Assis - 3.985 operações
- Caxias do Sul - 2.245 operações
- São Paulo - 1.823 operações
**Fonte: prefeitura de Uruguaiana
Limites de compras nos free shops de fronteiras terrestres por CPF a cada 30 dias
- U$ 500 (dólares)
- 12 litros de bebidas alcoólicas
- 10 maços de cigarro contendo 20 unidades cada
- 25 unidades de charutos ou cigarrilhas
- Outros bens de custo inferior a U$ 5: até 20 unidades, sendo no máximo 10 idênticas
- Outros bens de custo superior a U$ 5: até 10 unidades, sendo no máximo três idênticas
Free shops em fronteiras terrestres no Brasil
- Uruguaiana (RS) - 10 lojas***
- Foz do Iguaçu (PR) - 8 lojas
- Barra do Quaraí (RS) - 4 lojas
- Jaguarão (RS) - 3 lojas
- Bonfim (RR), Barracão (PR), Guaíra (PR), Porto Mauá (RS), Porto Xavier (RS), São Borja (RS), Santana do Livramento (RS) e Chuí (RS) - 1 loja cada
***No site da Receita Federal ainda consta a informação sobre a existência de nove lojas francas em Uruguaiana, mas o décimo estabelecimento foi inaugurado em 4 de abril de 2024