Dois de três setores da economia gaúcha fecharam 2023 no azul. O segmento de serviços ficou na ponta, com avanço mais robusto, no embalo dos negócios envolvendo transportes e informação e comunicação. Na sequência, o comércio também registrou variação positiva, mas com menos fôlego diante do freio no consumo. Já a indústria não conseguiu tração suficiente para sair do vermelho, ancorada por juro elevado, falta de apetite externo e cautela em parte do empresariado.
Endividamento e inadimplência em patamares elevados e diferença no efeito do aperto monetário em cada braço da economia do país ajudam a explicar o cenário distinto entre os setores, segundo especialistas. Essa dicotomia se reflete no mercado de trabalho.
Os dados são um extrato de pesquisas mensais que retratam a situação de cada um desses setores, realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os recortes mais recentes, de dezembro de 2023, foram divulgados na semana passada.
Um dos principais impulsionadores do emprego no país, o setor de serviços fechou o ano passado com alta de 4,4% no volume após variação positiva em dezembro no Estado. As atividades de informação e comunicação (que abrigam o ramo de tecnologia da informação), de transportes e os serviços prestados às famílias têm destaque nesse grupo.
A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto afirma que o desempenho de transportes foi importante dentro do avanço de serviços em 2023. A especialista explica que esse ramo tem maior peso no Estado em razão do escoamento da safra. Com o clima castigando menos o Estado, teve espaço para avanço nessa área, segundo Giovana:
— No ano passado, por mais que tenha havido uma seca, foi menos pior do que a estiagem de 2022. Teve um diferencial em transportes em função dessa safra menos ruim. Esse é um dos destaques que ajudam a explicar o desempenho maior do Rio Grande do Sul em relação ao país.
Mas, mesmo com a maior alta, serviços mostram desaceleração ante anos anteriores. A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto avalia que esse movimento expõe acomodação após picos de retomada.
O comércio encerrou o ano passado com alta de 2,3% no volume de vendas, com destaque nos ramos de hiper e supermercados e farmacêuticos. Na outra ponta, vestuário, móveis e eletrodomésticos e artigos de uso pessoal e doméstico apresentaram queda. Endividamento e inadimplência resistentes e juro elevado prejudicam o consumo de algumas áreas, de acordo com Giovana, principalmente as ligadas ao consumo via crédito. No último mês do ano, o varejo gaúcho caiu 2,9%.
Indústria no vermelho
E a indústria fechou 2023 no vermelho, com queda de 4,7%. O recuo foi puxado, principalmente, por ramos ligados à metalurgia. O economista-chefe da Federação das Indústrias do RS (Fiergs), Giovani Baggio, destaca que a indústria sofreu ao longo do ano com os efeitos do juro alto e de arrefecimento nas exportações.
Dados da Fiergs mostram que as vendas externas de produtos gaúchos sofreram queda de 4,9% no ano passado. Além disso, Baggio cita cautela de parte do empresariado em alguns momentos do ano diante de acenos do governo em algumas áreas, como a trabalhista e a fiscal.
— A incerteza que permeou durante todo o ano de 2023 fez com que os investimentos ficassem paralisados. Como a nossa indústria produz bens de capital, a incerteza elevada faz com que as empresas não invistam e não demandem nossos produtos — afirma o economista.
No mês a mês, o setor apresentou volatilidade, intercalando quedas e altas. Em dezembro, anotou avanço de 2%. Baggio afirma que esse cenário pode indicar uma estabilidade que antecede o ambiente de melhora.
Projeção para próximos meses
A economista Maria Carolina Gullo, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS), afirma que os serviços devem seguir com o melhor desempenho neste ano, principalmente no primeiro trimestre, diante do efeito sazonal do verão. Nessa época, a demanda por alguns serviços acelera, segundo a especialista:
– Tem essa vontade das pessoas estarem vivendo experiências, saindo, em férias. Então, é um setor que ainda deve trazer desempenho positivo.
Na indústria, Maria Carolina cita um otimismo com cautela. De um lado, segmentos seguem contratando e a taxa de juro vai continuar caindo. Do outro, existe uma incerteza sobre o peso do ano de eleição na economia do país.
A economista da Fecomércio-RS Giovana Menegotto estima acomodação nos serviços. É difícil manter patamares elevados após atingir volumes mais expressivos nos meses anteriores, avalia a especialista:
– Como, por exemplo, já está num patamar elevado, o espaço para sustentar uma taxa maior é muito pequeno. Pode até apresentar crescimento, mas, como a base já está acomodada em patamar alto, o crescimento tende a ser mais modesto.
Ambiente
No comércio, Giovana afirma que o ambiente econômico pode ser melhor neste ano. Além da sustentação da renda com emprego, o juro caindo alivia endividamento e inadimplência. Isso pode gerar alívio e recuperação para setores mais prejudicados, segundo a economista.
O economista-chefe da Fiergs, Giovani Baggio, considera difícil prever o ambiente da indústria para 2024. Como a base está baixa, há espaço para crescimento do setor, avalia. Expectativa de menos paradas programadas em algumas áreas, projeção de bons números na agropecuária, juro mais baixo e cenário externo menos prejudicado podem impulsionar a indústria, segundo o economista.
Principais destaques
Serviços
- Na parte de informação e comunicação, o Estado conta com empresas importantes na área de TI, o que ajuda a explicar o avanço desse ramo, segundo Giovana Menegotto, economista da Fecomércio-RS. Os serviços prestados às famílias crescem com o consumo de atividades que dependem mais de renda.
Comércio
- Giovana afirma que os principais destaques entre os segmentos do comércio são aqueles que dependem mais de renda, o consumo de bens mais essenciais. Outras áreas, que dependem mais de crédito, tiveram um resultado ruim ou perto da estabilidade.
Indústria
- Na parte das incertezas, Giovani Baggio, economista-chefe da Fiergs, cita embates do governo com o Banco Central, flertes com mudanças na legislação trabalhista e na reforma da previdência e na área fiscal. No âmbito local, paradas programadas para manutenção na Refinaria Alberto Pasqualini (Refap) e na CMPC e eventos climáticos extremos são fatores pontuais que também puxaram o resultado da indústria para baixo, acrescenta.
E o agro?
- O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não produz pesquisa mensal na agropecuária nesses mesmos moldes. O instituto tem um balanço detalhado do setor, mas com períodos diferentes e dividido em dois produtos. Um é o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola, que trata da safra de grãos mensalmente. A outra é a pesquisa trimestral da pecuária. Alguns ramos ligados ao agro entram nas pesquisas de serviços, comércio e indústria em outras etapas, como fabricação de alimentos, de máquinas e transporte.